segunda-feira, 13 de abril de 2020

VIAGEM NO ESPELHO - O livro que ganhei de HELENA KOLODY em sua noite de autógrafos - por F. Souto Neto

LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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VIAGEM NO ESPELHO – o livro que recebi de presente de HELENA KOLODY em sua noite de autógrafos - por Francisco Souto Neto.



 
Capa de VIAGEM NO ESPELHO, de HELENA KOLODY


Comendador Francisco Souto Neto

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VIAGEM NO ESPELHO
Helena Kolody

por Francisco Souto Neto


 
Helena Kolody .


Helena Kolody (1912 – 2004), talvez a mais importante poetisa da História do Paraná, nasceu em Cruz Machado, PR, filha de imigrantes ucranianos que se conheceram no Brasil. A família mudou-se para Três Barras e depois para Rio Negro, onde estudou piano e pintura. Aos 12 anos escreveu seus primeiros versos. Mais uma vez mudou-se a família, agora para Paranaguá, onde publicou seu primeiro poema, A Lágrima, aos 16 anos.

Aos 20 anos, Helena iniciou a carreira de professora do Ensino Médio e inspetora de escola pública. Lecionou no Instituto de Educação de Curitiba por 23 anos. Segundo o que consta em seu livro Viagem no Espelho, ela foi professora da Escola de Professores da cidade de Jacarezinho, onde lecionou por vários anos.

Seu primeiro livro, publicado em 1941, foi Paisagem Interior.

Dona Helena – como eu a chamava – durante algum tempo ficou de certo modo esquecida pelos leitores porque seus livros já publicados eram de antigas edições esgotadas. Se bem me recordo, livros de Helena Kolody não eram encontrados com facilidade e, portanto, as novas gerações já não a conheciam... até que em 1988 ocorreu algo que mudou tudo.

Naquele ano, funcionário de carreira, eu desempenhava duas funções paralelas dentro do Banco do Estado do Paraná: eu era Assessor da Presidência e, ao mesmo tempo, Assessor para Assuntos de Cultura. Carlos Antônio de Almeida Ferreira ocupava a presidência do Conglomerado Financeiro Banestado; ele foi um dos homens mais acessíveis e cultos que conheci naquela esfera de administração.

Trabalhávamos fisicamente distantes um do outro. Dr. Almeida, na presidência que se situava no enorme complexo de diretoria e direção geral no bairro de Santa Cândida. O meu gabinete era no centro da cidade, no 7º andar de um edifício da rua Marechal Deodoro, o mesmo prédio em cujo andar térreo funcionava a Galeria de Arte Banestado. O Dr. Almeida, quando precisava de algo, telefonava-me. E num desses contatos, quando já estávamos usando o espaço da Galeria também para lançamento de livros, o presidente disse-me que ele gostaria de relançar diversos livros de Helena Kolody e perguntou-me o que eu achava da ideia. Eu conhecia pouco da poetisa, mas sabia que se tratava de uma autora de grande sensibilidade, cujos livros tinham feito muito sucesso no passado. E foi assim que editamos o primeiro dos vários livros, Viagem no Espelho. A equipe de marketing do Banco divulgou o evento com maestria, criando uma grande expectativa pelo coquetel da noite de autógrafos e pela importância do acontecimento.

Helena Kolody na noite de autógrafos

Dona Helena era solteira. Nessa ocasião ela estava com 76 anos, a idade que tenho no momento em que escrevo estas linhas. A noite de autógrafos, muito bem preparada, contou com presença da imprensa escrita e televisionada.

A Galeria de Arte Banestado situava-se a uns 10 degraus abaixo do nível da rua, uma espécie de semi-subsolo. Já havia muita gente à espera da poetisa, quando olhei para o alto da escada e vi que chegava Dona Helena. Ela estava sozinha; deve ter tomado um táxi que a levou até lá. Vi que ela ficou meio titubeante ao olhar para baixo e ao ver aquela multidão à sua espera. Notei sua insegurança ao olhar para a escada, apesar do  corrimão.

Eu tinha apenas 45 anos de idade. Imediatamente acorri em auxílio à poetisa, subi depressa os degraus e lhe ofereci o braço para ela apoiar-se. Ela me agradeceu e disse-me que estava insegura porque a escada lhe pareceu muito íngreme. Descemos lentamente quando os presentes começaram a aplaudir. Chegando ao nível da Galeria de Arte, já vinham ao nosso encontro as encarregadas daquele espaço, Verinha e Clarissa, e lá foram as três abrindo caminho na multidão.

Em sua noite de autógrafos, Helena Kolody desce as escadas da Galeria de Arte Banestado apoiando-se no braço de Francisco Souto Neto. Foto de Alice Varajão.

Na intimidade, um tanto de timidez

Ocorreu um fato muito curioso naquela noite. As pessoas aproximavam-se de Dona Helena, tiravam fotografias, diziam-lhe palavras de admiração e carinho. Um rapaz muito bem educado que comprou um exemplar, pediu-lhe um autógrafo e perguntou-lhe: “Posso lhe dar um beijo?”. Constrangida, ela levantou as duas mãos, abanando-as em negativa como que espantada, e respondeu: “Não, não, não, beijo não!”... e afastou-se rapidamente. Aquilo me fez ver que Dona Helena, na verdade, era de certo modo tímida. Esse é um paradoxo que é mais frequente do que se imagina, entre o autor e a sua obra. Creio que os abismos da poetisa às vezes se revelam nos versos, que podem ser tão “alados”, leves e livres, quanto introspectivos e tristes... porém sempre belos. Por exemplo: Debruço-me à beira de mim / e sinto a vertigem do inviolável / guardando o espelho profundo / que dorme no fundo”. E também escreveu ao ver um antigo retrato seu: “Quem é essa que me olha de tão longe, com olhos que foram meus?”.

Helena Kolody fazendo uma dedicatória para Francisco Souto Neto. À direita, ao lado de Souto, estão Lirdi Jorge e Vera Marques. O pitoresco desta fotografia são os olhares desencontrados de todos. Foto de Alice Varajão.

Dedicatória de Helena Kolody para Francisco Souto Neto no livro Viagem no Espelho.

Depois daquela noite de autógrafos, encontrei-me bem poucas vezes com Dona Helena, e nessas ocasiões ela sempre se recordava do lançamento do seu livro, que foi realmente um grande sucesso. Mas cuidei-me de nunca beijá-la. A partir daquele evento, pode-se dizer que Dona Helena renasceu para a poesia, para os haicais e... para a fama que, a partir dali, a impulsionou para sempre, e continua impulsionando, devido à beleza que transparece de seus versos.

Em minha coluna Expressão & Arte de 21.1.1989 (a segunda abaixo) estão as minhas impressões sobre a obra de Helena Kolody. No seguinte link:





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2 comentários:

  1. Fantástico texto! Tenho esse livro, que você me presenteou. Um dos que mais prezo!

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  2. Oi, Mara. Obrigado pelo elogio. A poesia de Dona Helena é realmente linda, a um tempo profunda e "alada".

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