LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.
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VIAGEM NO ESPELHO – o livro que recebi de presente de HELENA KOLODY em sua noite de autógrafos - por Francisco Souto Neto.
Capa de VIAGEM NO ESPELHO,
de HELENA KOLODY
Comendador Francisco Souto Neto
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VIAGEM NO ESPELHO
Helena Kolody
por Francisco Souto Neto
Helena
Kolody .
Helena Kolody (1912 – 2004), talvez a mais importante poetisa
da História do Paraná, nasceu em Cruz Machado, PR, filha de imigrantes
ucranianos que se conheceram no Brasil. A família mudou-se para Três Barras e
depois para Rio Negro, onde estudou piano e pintura. Aos 12 anos escreveu seus
primeiros versos. Mais uma vez mudou-se a família, agora para Paranaguá, onde
publicou seu primeiro poema, A Lágrima,
aos 16 anos.
Aos 20 anos, Helena iniciou a carreira de professora do
Ensino Médio e inspetora de escola pública. Lecionou no Instituto de Educação
de Curitiba por 23 anos. Segundo o que consta em seu livro Viagem no
Espelho, ela foi professora da Escola de Professores da cidade de
Jacarezinho, onde lecionou por vários anos.
Seu primeiro livro, publicado em 1941, foi Paisagem
Interior.
Dona Helena – como eu a chamava –
durante algum tempo ficou de certo modo esquecida pelos leitores porque seus
livros já publicados eram de antigas edições esgotadas. Se bem me recordo,
livros de Helena Kolody não eram encontrados com facilidade e, portanto, as
novas gerações já não a conheciam... até que em 1988 ocorreu algo que mudou
tudo.
Naquele ano, funcionário de
carreira, eu desempenhava duas funções paralelas dentro do Banco do Estado do
Paraná: eu era Assessor da Presidência e, ao mesmo tempo, Assessor para Assuntos
de Cultura. Carlos Antônio de Almeida Ferreira ocupava a presidência do
Conglomerado Financeiro Banestado; ele foi um dos homens mais acessíveis e
cultos que conheci naquela esfera de administração.
Trabalhávamos fisicamente
distantes um do outro. Dr. Almeida, na presidência que se situava no enorme
complexo de diretoria e direção geral no bairro de Santa Cândida. O meu
gabinete era no centro da cidade, no 7º andar de um edifício da rua Marechal
Deodoro, o mesmo prédio em cujo andar térreo funcionava a Galeria de Arte
Banestado. O Dr. Almeida, quando precisava de algo, telefonava-me. E num desses
contatos, quando já estávamos usando o espaço da Galeria também para lançamento de
livros, o presidente disse-me que ele gostaria de relançar diversos livros de
Helena Kolody e perguntou-me o que eu achava da ideia. Eu conhecia pouco da
poetisa, mas sabia que se tratava de uma autora de grande sensibilidade, cujos
livros tinham feito muito sucesso no passado. E foi assim que editamos o
primeiro dos vários livros, Viagem no Espelho. A equipe de marketing do
Banco divulgou o evento com maestria, criando uma grande expectativa pelo
coquetel da noite de autógrafos e pela importância do acontecimento.
Helena Kolody na noite de autógrafos
Dona Helena era solteira. Nessa
ocasião ela estava com 76 anos, a idade que tenho no momento em que escrevo
estas linhas. A noite de autógrafos, muito bem preparada, contou com presença
da imprensa escrita e televisionada.
A Galeria de Arte Banestado
situava-se a uns 10 degraus abaixo do nível da rua, uma espécie de semi-subsolo.
Já havia muita gente à espera da poetisa, quando olhei para o alto da escada e
vi que chegava Dona Helena. Ela estava sozinha; deve ter tomado um táxi que a
levou até lá. Vi que ela ficou meio titubeante ao olhar para baixo e ao ver aquela
multidão à sua espera. Notei sua insegurança ao olhar para a escada, apesar
do corrimão.
Eu tinha apenas 45 anos de idade.
Imediatamente acorri em auxílio à poetisa, subi depressa os degraus e lhe
ofereci o braço para ela apoiar-se. Ela me agradeceu e disse-me que estava
insegura porque a escada lhe pareceu muito íngreme. Descemos lentamente quando
os presentes começaram a aplaudir. Chegando ao nível da Galeria de Arte, já
vinham ao nosso encontro as encarregadas daquele espaço, Verinha e Clarissa, e
lá foram as três abrindo caminho na multidão.
Em
sua noite de autógrafos, Helena Kolody desce as escadas da Galeria de Arte
Banestado apoiando-se no braço de Francisco Souto Neto. Foto de Alice Varajão.
Na intimidade, um tanto de timidez
Ocorreu um fato muito curioso
naquela noite. As pessoas aproximavam-se de Dona Helena, tiravam fotografias, diziam-lhe
palavras de admiração e carinho. Um rapaz muito bem educado que comprou um
exemplar, pediu-lhe um autógrafo e perguntou-lhe: “Posso lhe dar um beijo?”. Constrangida,
ela levantou as duas mãos, abanando-as em negativa como que espantada, e
respondeu: “Não, não, não, beijo não!”... e afastou-se rapidamente. Aquilo me
fez ver que Dona Helena, na verdade, era de certo modo tímida. Esse é um
paradoxo que é mais frequente do que se imagina, entre o autor e a sua obra. Creio
que os abismos da poetisa às vezes se revelam nos versos, que podem ser tão
“alados”, leves e livres, quanto introspectivos e tristes... porém sempre
belos. Por exemplo: “Debruço-me à beira de
mim / e sinto a vertigem do inviolável / guardando o espelho profundo / que
dorme no fundo”. E também escreveu ao ver um antigo retrato seu: “Quem é essa que me olha de tão longe, com
olhos que foram meus?”.
Helena Kolody
fazendo uma dedicatória para Francisco Souto Neto. À direita, ao lado de Souto,
estão Lirdi Jorge e Vera Marques. O pitoresco desta fotografia são os olhares
desencontrados de todos. Foto de Alice Varajão.
Dedicatória
de Helena Kolody para Francisco Souto Neto no livro Viagem no Espelho.
Depois daquela noite de autógrafos,
encontrei-me bem poucas vezes com Dona Helena, e nessas ocasiões ela sempre se
recordava do lançamento do seu livro, que foi realmente um grande sucesso. Mas cuidei-me
de nunca beijá-la. A partir daquele evento, pode-se dizer que Dona Helena
renasceu para a poesia, para os haicais e... para a fama que, a partir dali, a
impulsionou para sempre, e continua impulsionando, devido à beleza que
transparece de seus versos.
Em minha coluna Expressão &
Arte de 21.1.1989 (a segunda abaixo) estão as minhas impressões sobre a obra de Helena Kolody. No
seguinte link:
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Fantástico texto! Tenho esse livro, que você me presenteou. Um dos que mais prezo!
ResponderExcluirOi, Mara. Obrigado pelo elogio. A poesia de Dona Helena é realmente linda, a um tempo profunda e "alada".
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