domingo, 26 de abril de 2020

LUCUBRAÇÕES de Francisco Lobo da Costa, com comentários de Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.
-o-

 
Capa de LUCUBRAÇÕES de FRANCISCO LOBO DA COSTA


 
Comendador Francisco Souto Neto

-o-

LUCUBRAÇÕES de Francisco Lobo da Costa

Comentário por Francisco Souto Neto

Eu tenho um livro em minha biblioteca, editado em 1874 (há 148 anos, quase UM SÉCULO E MEIO), Lucubrações, com poemas de Francisco Lobo da Costa, que pertenceu à biblioteca de meu bisavô Francisco José Alves Souto, filho do Visconde de Souto e pai do meu avô Francisco Souto Júnior.

Em fevereiro de 2002 eu recebi a visita de meu antigo colega do Banestado, José Gil de Almeida, que então era diretor e proprietário do Jornal Água Verde, de Curitiba. Mostrei a ele o livro Lucubrações, que pertencera a meu bisavô, e o meu poema predileto naquele livro, intitulado “Na sepultura de Amélia”.

José Gil ficou impressionado com a ortografia vigente em 1874 e com a beleza do poema, e pediu-me para publicar os versos no seu jornal. Claro que concordei, pela oportunidade de divulgar um poema tão precioso e na ortografia original. A publicação ocorreu nos dias seguintes, no nº 246 do referido jornal.


 

José Gil de Almeida, diretor e proprietário do Jornal Água Verde, refere-se a um livro da biblioteca de Francisco Souto Neto, “Lucubrações” (edição de 1874), do poeta Francisco Lobo da Costa, livro este que pertenceu à biblioteca de Francisco José Alves Souto (1847–1890), bisavô de Francisco Souto Neto.

Acima, o livro “Lucubrações”, originalmente da biblioteca de Francisco José Alves Souto, encadernado em 1874.

Acima, Francisco José Alves Souto (1847-1890), filho do Visconde de Souto.

Acima, à esquerda, Francisco Souto Júnior (1881-1948), óleo sobre tela de R. P. Moraes Faber. À direita, Arary Souto (1908-1963) em 1961, óleo sobre tela de Vilmar Lopes. Nessa pintura, Arary Souto (pai de Francisco Souto Neto) está segurando o livro “Lucubrações” (clique para ampliar a foto).

 Abaixo, a transcrição da publicação feita pelo Jornal Água Verde:

Um belo poema de 1874

O poema abaixo é do livro “Lucubrações”, de autoria de Francisco Lobo da Costa, editado pela Typographia J. Seckler, de São Paulo, no ano de 1874. O livro faz parte do acervo de Francisco Souto Neto e foi gentilmente encaminhado à nossa redação, a nosso pedido.

Na sepultura de Amelia [respeitada a ortografia vigente em 1874]

E’ dor de mais… Pois não è? (Cassimiro de Abreu)

Dorme aqui! Aqui descança,
Perdida como a criança,
Sem um raio de esperança,
Sem uma restea de luz…
– Dorme! – e a noite eterna passa
Sobre o tumulo que abraça,
Deixando apenas fumaça
Do lampadario da cruz.
.
Pobre Amelia!… Que destino
Foi esse, que tão ferino,
Aos dobres roucos do sino
Fez-te a fronte reclinar!
N’aurora apenas da vida
Flor, cahiste emmurchecida,
E foste dormir perdida
Entre as brumas do luar!
.
Pobre Amelia!… e eu que te adorava
Com esse fogo de lava,
Quando em teus olhos brilhava
Uma lagrima dos céos!
No emtanto, a morte impiedosa –
Dos meus amores ciosa,
Calou-te o’ pallida roza,
Para vingar-se de Deus!
.
A morte!… esse anjo funerio,
Que dorme sobre o mysterio
Nas larvas do cemiterio,
E desperta frio e só…
– A morte! – fada estrangeira,
Que faz d’alma a sua esteira,
E da fronte uma caveira
Para rolar sobre o pó!
.
A morte!… E foi tão cruenta,
Que deixou-te macilenta
Quando essa face aurea e benta
Tinha do amor o carmim…
A morte!!… E pôde a tyrana,
Apagar a luz sobr’ana
D’esses olhos de sultana –
Sempre volvidos á mim!!…
.
Pobre Amelia!  A morte tua
Foi como um raio da lua,
Que bateu-me á fronte nua,
Em noite de auzencia… além!
Quando expiraste… distante,
Em sonhos vi teu semblante,
Ai… foi dor tão penetrante
Que, quase morri tambem!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quem ha de acordar-te agora!
Nem os preludios da aurora,
Nem o sol que si descora
Pelas montanhas alli…
Entre nós – existe um lenho,
Sobre o qual tristonho venho –
Dar-te as lagrimas que tenho,
Dar-te as crenças que perdi!
.
Si foi bella a nossa infancia,
Mais bella foste em fragrancia
Roza da celere estancia,
Morta apenas em botão!
Por teu sudario… teus sonhos…
Por teus dias mais risonhos…
Por meus remorsos medonhos…
– Boa noite, Amelia… Perdão!…

-o-

Abaixo, as cópias xerox da capa e contracapa abertas, e algumas das páginas internas do livro, com a letra do meu pai, Arary Souto, em 1917, quando recebeu o livro de presente de sua avó que se chamava Maria da Lapa de Salles Oliveira Souto.






 -o-

 
Acima, minha fotografia tirada hoje, dia 26 de abril de 2020, aos 76 anos, segurando o livro Lucubrações, neste triste período da pandemia do Coronavírus (COVID-19) que assola o Brasil e o mundo inteiro, obrigando-nos ao “isolamento social”, pois o vírus está matando dezenas de milhares de pessoas em todo o planeta. Fica o registro de um período, que talvez seja muito longo, em que todos nos mantemos aprisionados dentro de nossas próprias residências, quase uma condição de vida ou morte.

-o-

Um comentário:

  1. Olá, Padrinho. Belíssimo poema atrelado ao movimento romântico. Desilusão, saudades, idealismo... entre tantas características românticas.
    Livro precios pela data e por ter pertenciado ao meu tetravó. Seria um livro para museu. Poderia escanear, não acha? Eu adoraria ler.

    ResponderExcluir