terça-feira, 28 de julho de 2020

UM POUCO DE MEL E SAL, de RUBENS FARIA GONÇALVES. Comentários de Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de UM POUCO DE MEL E SAL, de RUBENS FARIA GONÇALVES.

 
Comendador Francisco Souto Neto

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 UM POUCO DE MEL E SAL, de RUBENS FARIA GONÇALVES



Rubens Faria Gonçalves com exemplares de Um pouco de mel e sal.


No fim da década de 60, meu amigo Rubens Faria Gonçalves já escrevia poemas que datilografava e reunia com o formato e dimensões usualmente adotados por editoras. Até ao início dos anos 70 ele reuniu 17 livros com poemas inéditos da sua autoria, cujas capas podem ser vistas na foto abaixo.

 

17 livros inéditos e artesanais com poemas de Rubens Faria Gonçalves do final dos anos 60 ao início da década de 70.

O primeiro poema de Rubens que conheci foi “Primeiro encontro com o antófago”, que me impressionou muito. Li outros, e neles o autor filosofava com maestria. Suas frases poéticas eram soltas, em versos livres, e em tudo que escrevia esmerava-se pela perfeição quanto ao conteúdo e à forma.

Tão bom era o seu domínio do idioma pátrio que, muitos anos depois, quando eu e minha prima Lúcia Helena Souto Martini escrevemos a biografia de nosso trisavô, o visconde de Souto, convidamo-lo para ser o revisor da nossa obra de 620 páginas.

Nos anos 10 do século XX eu estava na diretoria da Academia de Letras José de Alencar – ALJA, quando sua presidenta Anita Zippin, conhecendo os poemas de Rubens Gonçalves, convidou-o a ingressar como membro do referido grupo literário, o que foi unanimemente aprovado numa reunião formal. Curiosamente, foi ela, Anita, quem também amadrinhou a minha sobrinha Dione Mara Souto da Rosa, e não eu, resultando daí que ambos tornaram-se membros da referida Academia pelos seus próprios méritos, sem minha influência para que eles alcançassem aquele reconhecimento público.

Rubens Gonçalves tinha já participado de antologias de contos, porém ainda não tivera editado seus poemas. Sabedor que sou da importância dos seus versos, animei-o a publicar poemas antigos e recentes. Ele trabalhou durante muitos meses na escolha e atualização de peças poéticas de seus livros artesanais, e também na criação de novos versos. Feito isto, procurou a Editora DTX que se propôs a editar o livro que ele intitulou Um pouco de mel e sal. A seu convite, redigi o texto de apresentação.

Rubens dividiu o trabalho em três partes, que preferiu chamar de Livro 1 “Dos anos verdes”, Livro 2 “Um pouco de mel e sal” – que é o título que ele deu a sua obra – e Livro 3 “Despontuação”. São poemas de rara sensibilidade. Num apêndice, publicou seus aforismos, que são curtos textos filosóficos, com reflexões muito pessoais de ordem moral ou prática.

 Acho interessante lembrar que Rubens Faria Gonçalves nunca antes pretendeu mostrar os escritos para um público amplo, tampouco demonstrou vontade ou pretensão de editar sua poesia. Ele sempre escreveu para si e para um restrito número de amigos; era como se seus poemas pudessem interessar apenas aos amigos mais chegados. Do mesmo modo que na poesia, na prosa ele também escreve à vontade, sem seguir aqueles argumentos de alguns editores que sempre sugerem aos autores para considerarem as “tendências literárias do momento”, com menos erudição e temas mais popularescos que agradem sobretudo às pessoas interessadas em textos “leves”, sem muita profundidade. A recomendação dos editores aos autores, e isto sei por experiência própria, é para que procuremos agradar aos leitores, com o objetivo de vender.  Rubens, rebelde como sempre, despreza esses preceitos e escreve do jeito que deseja – e o faz muito bem – já que em termos de cultura, seu objetivo primeiro não é o lucro.

Esse desprendimento também se fez notar no fato de o autor ter dispensado um lançamento formal do livro, por ser avesso a bajulações. Ele simplesmente comunicou aos colegas da Academia de Letras que Um pouco de mel e sal estava à disposição na editora, e comentou o fato através das redes sociais.

Um fator importante que levou Rubens Faria Gonçalves e pensar, pela primeira vez, em publicar suas obras, foi quando os escritores Adriano Siqueira e Dione Mara Souto da Rosa convidaram-no a participar de uma antologia – ou coletânea – que tinha como tema o sobrenatural. Depois disso, participou de outras antologias que foram também editadas.

Rubens interessou-se ainda em participar de outras instituições ligadas às letras, como o Centro de Literatura e Cinema André Carneiro, sob a presidência de Valter Cardoso, um grupo que se propõe a analisar e discutir textos literários dos membros participantes. Neste caso, Rubens desejava conhecer outros escritores e o pensamento de diferentes segmentos.

Eu, como leitor, percebi desde sempre que a intelectualidade dos escritos de Rubens extrapolavam, em muito, um simples círculo de amigos, porque os versos por ele criados são plenos de um sentido muito mais amplo, e a sua força poética atinge, sem dúvida, uma esfera universalizada.

A poesia de Rubens Faria Gonçalves abrange uma variedade de situações e se estende desde o sério e emocional ao político, e vai do dogmático a alguma pilhéria tão sutil que pode desconsertar o leitor.


Não comentarei os poemas, porque cada um de seus versos fala por si.

 Livro Um pouco de mel e sal.



 1ª orelha.



. 2ª orelha (Rubens Faria Gonçalves e seu buldogue francês Tibério Bouledogue).


4ª capa ou contracapa.



 Sumário.



Sumário.


 Sumário.


 Sumário.

 

Apresentação de Francisco Souto Neto.

 Apresentação de Francisco Souto Neto.

 
Apresentação de Francisco Souto Neto.


Abaixo, colocarei alguns dos poemas que são meus prediletos, constantes do livro – apenas um cada capítulo. Incluirei também uma página dos seus aforismos, esta escolhida aleatoriamente. Se meu leitor desejar conhecer o livro em sua totalidade, é só contatar a Amazon ou a Editora DTX.

Dos anos verdes:




Um pouco de mel e sal:



Despontuação:



 Aforismos:




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quarta-feira, 22 de julho de 2020

DIÁLOGOS de PLATÃO com APOLOGIA DE SÓCRATES. Comentários de Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de DIÁLOGOS de PLATÃO com APOLOGIA DE SÓCRATES.


Comendador Francisco Souto Neto

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DIÁLOGOS de PLATÃO 
com APOLOGIA DE SÓCRATES


Platão


Os escritos filosóficos na Grécia de séculos antes de Cristo eram feitos na forma de poemas didáticos ou tratados. O autor deste livro, Platão, foi um dos mais importantes filósofos gregos, e discípulo de Sócrates. Neste livro, no capítulo da Apologia de Sócrates, Platão não usou versos, mas prosa, para fazer um elogio, um enaltecimento, em defesa da memória de Sócrates, que foi condenado à morte.


Capa do livro encadernado com gravação a ouro em 1968.

Comprei este livro nos final da década de 60, quando ainda morava na Rua Paula Xavier nº 1446, em Ponta Grossa. Li totalmente só a Apologia de Sócrates; os demais capítulos (Diálogos), li-os parcialmente. Eles envolvem Critão, Laquete, Cármides, Líside, Eutífrone, Protágoras e Górgias.

Cabeça de Sócrates no Museu do Louvre.


Sócrates
  

A vida de Sócrates foi interessante! “Conta-se que, um dia, Sócrates foi levado junto à sua mãe para ajudar em um parto complicado. Vendo sua mãe realizar o trabalho, Sócrates logo filosofou: ‘Minha mãe não irá criar o bebê, apenas ajudá-lo-á a nascer e tentará diminuir a dor do parto. Ao mesmo tempo, se ela não tirar o bebê, logo ele irá morrer, e igualmente a mãe morrerá!’. Sócrates concluiu, então, que, de certa forma, ele também era um parteiro. O conhecimento, pensou ele, está dentro das pessoas, que são capazes de aprender por si mesmas. ‘Porém, eu posso ajudar no nascimento deste conhecimento’ concluiu ele”. Por isso, até hoje os ensinamentos de Sócrates são conhecidos por maiêutica, que em grego significa parteira.

Estátuas de Platão e Sócrates ladeando a escadaria da Academia de Atenas.

Pude entender mais um pouco mais da maiêutica, através do livro que há alguns anos ganhei de Celso de Macedo Portugal (formado em Filosofia e Direito), meu colega da Academia de Letras José de Alencar, autor de O Direito e a Maiêutica.

No Palacete dos Leões, sede da Academia de Letras José de Alencar, os membros do sodalício. À direita, de blusa vermelha, Celso de Macedo Portugal, autor de O Direito e a Maiêutica. A partir da esquerda, os confrades Dione Mara Souto da Rosa, Francisco Souto Neto, João Carlos Cascaes, Anita Zippin, Rubens Faria Gonçalves, Tânia Rosa Ferreira Cascaes, Hamilton Bonat e o já mencionado Celso Portugal.

Então a partir daí, Sócrates seguiu sua vocação e foi aprender filosofia com os mestres Anaxágoras e Arquelau. O seu talento cresceu tanto, que depois de alguns anos a pitonisa do Templo de Apolo, na cidade sagrada de Delfos, declarou que Sócrates era “o mais sábio de todos os homens!”. E Sócrates tornou-se professor, o mais respeitado e admirado filósofo da Grécia.

Sócrates e seus alunos, de Johann Friedrich Greuter (obra datada do século XVII).

A prisão de Sócrates

As ideias de Sócrates foram se espalhando e ele ganhando cada vez mais discípulos. O filósofo ensinava que para se acreditar em algo, era preciso verificar se aquilo era realmente verdade. E com isso foi ganhando inimigos que preferiam espalhar mentiras dos políticos seus parceiros, sem que ninguém pusesse as questões em dúvida. Isso me reporta à atual realidade brasileira: filhos do presidente da República, péssimos políticos que têm centrais de divulgação de fake news (mentiras) contra seus opositores, e fazem tudo o que podem e o que não podem para não serem investigados pela Justiça. Como se vê, políticos mentirosos e corruptos existiam na antiga Grécia séculos antes de Cristo, continuam existindo no mundo atual e lamentavelmente o Brasil não é exceção.

Foi então que estourou a Guerra do Peloponeso. Todos os homens entre 15 e 45 anos foram mandados à luta. E Sócrates, por ser convincente para fazer as pessoas o seguirem, foi escolhido para o cargo de general.

Durante as guerras gregas, uma lei obrigava a que os soldados enterrassem aqueles que morriam. E ao fim de uma das batalhas do Peloponeso, para evitar que os poucos soldados ainda vivos fossem também mortos, o general Sócrates tomou uma decisão: que eles deixassem os mortos no campo de batalha sem enterrá-los, e voltassem rapidamente a Atenas, para que não fossem igualmente executados pelos inimigos. E por causa disto, mesmo salvando uma parte de seus soldados, Sócrates foi preso.

Usando toda a sua capacidade de persuasão, Sócrates consegue convencer a todos de que era melhor deixar alguns mortos do que morrerem todos, uma vez que se todos morressem, ninguém poderia enterrá-los. Desta forma, ele conseguiu a liberdade.

Entretanto, Sócrates continuou sendo perseguido durante anos pelos poderosos, porque ensinava seus discípulos a pensar e não simplesmente a permanecerem no rebanho contra a sua vontade.

Então Sócrates foi preso acusado de três crimes: não acreditar nos costumes e nos deuses gregos, unir-se a deuses maus que gostavam de destruir as cidades, e corromper os jovens com suas ideias inovadoras. Os inimigos do pensamento livre e filosófico condenaram-no.

Sobre a condenação de Sócrates, Jean Brun escreveu: "O processo e a condenação de Sócrates testemunham o perigo que a ignorância faz correr ao saber, que o mal faz correr à virtude. Mas este perigo não é senão aparente, pois, na realidade, é o justo que triunfa dos seus carrascos. Se bem que seja vítima deles, o triunfo de Sócrates sobre os seus juízes data do dia da sua execução”. Isso me faz pensar mais uma  vez na História do Brasil, no impeachment de Dilma Roussef, que foi condenada pelas chamadas “pedaladas fiscais”, porém sem a ocorrência de crime de responsabilidade, tanto que não foi cassada em seus direitos políticos. Dois dias após o impeachment, o Congresso Nacional aprovou lei que beneficiou o governo Michel Temer e tornou as “pedaladas fiscais”, que consideravam crime, em procedimento legal e agora permitido aos presidentes posteriores a Rousseff. O antigo e respeitado Jornal do Brasil, em 3 de setembro de 2016 publicou análise de Ricardo Lodi: “O Congresso Nacional, que nunca considerou as condutas supostamente praticadas pela presidente Dilma como ilícitas, encerrado o processo de impeachment, passou a considerar tal conduta como absolutamente legitimada. Ou seja, o que até ontem consideravam crime, hoje é uma conduta admitida. Isso confirma o que eu disse no sábado no Senado. A conduta  de Dilma Rousseff não era ilícita antes e nem seria depois. Foi considerada crime somente para a aprovação do impeachment. Não tiveram nem o pudor de disfarçar".  Foi, sem dúvida, um dos episódios mais ridículos e deprimentes da História do Brasil. Julgamentos injustos têm ocorrido através dos milênios e aqueles que pensam de maneira diferente do oviário sofrem perseguições e condenações.

A morte de Sócrates

Os juízes deram-lhe escolher: ou ser exilado, ou ser cortada a sua língua. Se recusasse a uma das opções, seria condenado à morte. A resposta de Sócrates foi:Vocês me deixam a escolha entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder passar meus conhecimentos adiante. A outra, que eu não conheço, que é a morte ... escolho pois o desconhecido!”.

A execução (suicídio) de Sócrates por cicuta. Tela de David.

Platão, em outro livro – Fédon – assim descreve a morte de seu mestre:

“Depois de assim falar, levou a taça aos lábios e, com toda a naturalidade, sem vacilar um nada, bebeu até à última gota.
Até esse momento, quase todos tínhamos conseguido reter as lágrimas; porém quando o vimos beber, e que havia bebido tudo, ninguém mais aguentou. Eu também não me contive: chorei à lágrima viva. Cobrindo a cabeça, lastimei o meu infortúnio; sim, não era por desgraça que eu chorava, mas a minha própria sorte, por ver de que espécie de amigo me veria privado. Critão levantou-se antes de mim, por não poder reter as lágrimas. Apolodoro, que, desde o começo, não havia parado de chorar, pôs-se a urrar, comovendo, seu pranto e lamentações, até o íntimo de todos os presentes, com exceção do próprio Sócrates.
- Que é isso, gente incompreensível? Perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro. Acalmai-vos! Sede homens!
Ouvindo-o falar dessa maneira, sentimo-nos envergonhados e paramos de chorar. E ele, sem deixar de andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de costas, como recomendara o homem do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe os pés e as pernas. Depois, apertando com mais força os pés, perguntou se sentia alguma coisa. Respondeu que não. De seguida, sem deixar de comprimir-lhe a perna, do artelho para cima, mostrou-nos que começava a ficar frio e a enrijecer. Apalpando-o mais uma vez, declarou-nos que no momento em que aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já se lhe tinha esfriado quase todo o baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto – pois o havia tapado antes – disse, e foram suas últimas palavras:
- Critão (exclamou ele), devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!
‘Assim farei!’, respondeu Critão. Vê se queres dizer mais alguma coisa. A essa pergunta, já não respondeu. Decorrido mais algum tempo, deu um estremeção. O homem o descobriu; tinha o olhar parado. Percebendo isso, Critão fechou-lhe os olhos e a boca.
Tal foi o fim do nosso amigo, do homem, podemos afirmá-lo, que entre todos os que nos foi dado conhecer, era o melhor e também o mais sábio e mais justo”.

O julgamento e a execução de Sócrates são eventos centrais da obra de Platão. Sócrates admitiu que poderia ter evitado sua condenação a morte, bebendo antes a cicuta, se tivesse desistido da vida justa. Mesmo depois de sua condenação, ele poderia ter evitado sua morte se tivesse escapado com a ajuda de amigos.

Platão considerou que Sócrates foi condenado por questões evidentemente políticas.

Comentei bem superficialmente essa obra de Platão, que é de enorme importância. E, sinceramente, me faltaria profundidade para intentar algo de tal magnitude. Além disso, li a Apologia de Sócrates há quase 60 anos. Fiz alusão apenas à figura de Sócrates, sem referência aos restantes filósofos que integram a obra.

Francisco Souto Neto com seu exemplar de  Diálogos de Platão, em 22.7.2020, durante a grande pandemia nos anos 20 do século XXI.

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segunda-feira, 20 de julho de 2020

SCLIAR na Galeria de Arte André, São Paulo. Comentário por Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de SCLIAR na Galeria de Arte André


Comendador Francisco Souto Neto

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SCLIAR na Galeria de Arte André


Carlos Scliar


“Descobri” Carlos Scliar (1920-2001) em 1970, ocasião em que eu estava em férias no Rio de Janeiro, quando ocorria uma grande retrospectiva do pintor no Museu de Arte Moderna. Há meio século, muito antes da invenção da internet, os meios de comunicação eram precários. Eu já ouvira dizer que se tratava de um importante artista plástico, talvez tivesse visto algum trabalho seu estampado nas revistas O Cruzeiro, Manchete ou Fatos & Fotos, com paisagens ou natureza morta, mas nada sabia sobre a extensão obra do pintor.

No MAM do Rio vi que a retrospectiva incluía pinturas de retratos de crianças e adolescentes feitas no começo da carreira de Scliar, e esses retratos impressionaram-me profundamente. Era como se ele houvesse captado a alma de seus retratados naquela fase de inocência e pureza.

Depois de ter apreciado a exposição em sua totalidade, tive vontade de adquirir algum trabalho de Scliar, que já utilizava a técnica de vinil encerado sobre tela. Graças às marchands de tableaux Ida e Anita, que me deram seu endereço, com ele mantive uma amizade epistolar durante anos. Bem a propósito, foi na galeria daquelas senhoras que, no ano de 1981 – há quase 40 anos – comprei uma linda tela do artista.

Carlos Scliar – Vinil encerado sobre tela – 1981. Coleção Francisco Souto Neto.

Scliar me enviava cartões natalinos pintados por ele mesmo. Tais cartões eram verdadeiras obras de arte assinadas e com dedicatória, que recebi do artista desde os anos 80 até meados da década de 90. Diversos deles eu coloquei em molduras, outros guardei com minhas coleções de cartões de Natal que eu e minha mãe recebíamos, às centenas, de amigos.

Cartão de Natal (este de 1983) enviado por Carlos Scliar para Francisco Souto Neto.

No Natal de 1983, em vez de me enviar apenas um desenho como fazia habitualmente, mandou-me também um catálogo de sua exposição na Galeria André, em São Paulo. Um catálogo com aspecto de livro, de grandes dimensões (22 x 26cm), que não cabe no scanner para reproduzi-lo neste blog. Por isso, fotografei-o para aqui exibir algumas das suas páginas. Em papel couché, ele está em minha biblioteca porque é um verdadeiro livro de arte.

Naquela exposição da Galeria André, Scliar mostrou as gravuras ao lado das pinturas que lhe deram origem. No livro, de maneira muito didática, exibiu as serigrafias (às vezes com o planejamento para a aplicação de cores e tons) e as pinturas em vinil encerado sobre tela.

Eu gostaria de rever alguma das pinturas de adolescentes feitas por Scliar lá pela década de 40 ou 50, mas não encontrei nas pesquisas de Google, nenhum daqueles retratos feitos por ele. Devem estar bem guardados em coleções particulares, infelizmente não compartilhados na internet. Mas no livro, isto é, no catálogo que dele recebi em 1983, há um desenho de um jovem, datado de 1943, que reproduzirei abaixo, ao lado de pinturas e gravuras.

 Capa do catálogo (ou do livro, como o considero).

Na abertura do livro-catálogo, a dedicatória de Scliar para F. Souto Neto.

Em 1983, Scliar escreve sobre a sua arte. 

 À esquerda, um estudo sobre as cores e tons a serem executados nas duas técnicas vistas na página à direita. Acima, o vinil encerado sobre tela, uma obra única. Abaixo, a serigrafia com o mesmo motivo da tela, sobre papel, numerada em geral de 1 a 100.

Exemplos de pintura e serigrafia. 

 Exemplos de pintura e serigrafia.

 Exemplos de pintura e serigrafia.
 Exemplos de pintura e serigrafia.

 Exemplos de pintura e serigrafia.

 Exemplos de pintura e serigrafia.

 Exemplos de pintura e serigrafia.

 Exemplos de pintura e serigrafia.

 Exemplos de pintura e serigrafia.

Um dos retratos de jovens em desenho (1943).

Em setembro de 1996, quando Scliar fez uma exposição na Casa de Pedra, como é popularmente conhecida a Simões de Assis Galeria de Arte, em Curitiba, ali estive para ver seus trabalhos recentes e, que surpresa, lá se encontrava Scliar sentado, conversando com Waldir, proprietário da galeria, e amigos.

A Casa de Pedra (Simões de Assis Galeria de Arte) fotografada do alto por Francisco Souto Neto em julho de 2020, localizada à Alameda Dom Pedro II nº 155, esquina com a Alameda Presidente Taunay.    

Foi a oportunidade que tive para sentar-me e conversar longamente com o artista. Lembrei-lhe da sua retrospectiva no MAM do Rio de Janeiro em 1970, que tanto me impressionara, e conversamos sobre as suas diversas – e cronológicas – fases na pintura. Na época eu as sabia de memória, porém hoje já não me recordo com precisão. Contou-me ele que deixou de enviar cartões de Natal com desenhos originais para os amigos mais especiais, porque esse trabalho tornara-se demasiado extenso e cansativo, e então resolveu, nos últimos anos, expedir aos amigos cartões natalinos impressos. Scliar era jovial, simples, agradável. Ele estava com 64 anos.

Comemora-se o centenário de Carlos Scliar neste ano de 2020. É incrível pensar que o amigo estaria com cem anos. Como tudo passa depressa, como fluem as vidas e se extinguem num átimo de tempo! Tudo é fugaz, mais ainda neste estranho ano em que uma pandemia permeia o planeta ceifando milhares de vidas diariamente. Que pena que sejamos todos tão efêmeros. Só a arte é perene.

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Em 1996, quando Scliar realizou a exposição na Galeria de Arte Simões de Assis em Curitiba, escrevi um artigo e publiquei em minha coluna em jornal. Quem se interessar em ver ou ler, basta clicar o seguinte link: 


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