CURITIBA, DE NÓS – o livro que recebi de presente de POTY LAZZAROTTO
LIVROS COM HISTÓRIAS
QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do
que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias
pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e
ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso
há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar
algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha
biblioteca.
CURITIBA, DE
NÓS – o livro que recebi de presente de POTY LAZZAROTTO
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Capa protetora do livro
CURITIBA, DE NÓS de Poty Lazzarotto e Valêncio Xavier.
Comendador Francisco Souto Neto
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CURITIBA, DE NÓS
De Poty Lazarotto e
Valêncio Xavier.
por Francisco Souto Neto
Capa de CURITIBA, DE NÓS – o livro que recebi de presente de POTY LAZZAROTTO
Napoleon Potyguara Lazzarotto, ou Poty Lazzarotto, ou
simplesmente Poty, nasceu em Curitiba (1924 – 1998), destinado a ser um dos
ilustradores mais importantes do país. Ainda jovem foi estudar arte na Europa.
Voltando, associou-se a outro jovem, Dalton Trevisan, que criou a revista
literária Joaquim, enquanto Poty a
ilustrava.
Dalton Trevisan e Poty Lazzarotto - desenho de Poty.
A importância de Poty Lazzarotto
A carreira de Poty foi extraordinária. Ele trabalhou com
desenhos, gravuras, serigrafias, litografias, mas também criou enormes murais e
monumentos. Desde cedo passou a ilustrar os livros dos mais celebrados autores
literários do Brasil, como Guimarães Rosa (em Grande sertão: veredas, A
hora e a vez de Augusto Matraga, Sagarana
e outros), Jorge Amado, Rachel de Queiroz dentre dezenas de outros, mas também
edições mais recentes de outros ícones da Literatura Brasileira do século XIX,
tais como José de Alencar e Machado de Assis. Painéis e murais de Poty são
encontrados em praças públicas, em edifícios importantes, no Aeroporto
Internacional de Curitiba, na fachada do Palácio Iguaçu, na fachada do Teatro Guaíra... e em tantos
lugares que seria impossível enumerá-los, e que fizeram eternizar a importância
desse artista singular.
A proximidade de Poty com a Galeria
Banestado
Lá pela década de 70, Poty era tido como um homem muito
fechado, esquivo, simples a ponto de andar com sandálias de dedo. Eu era
assessor da diretoria (depois da presidência) do Banco do Estado do Paraná,
quando inauguramos a Galeria de Arte Banestado. E o ato inaugural daquele que
seria um dos mais famosos pontos de encontro de artistas plásticos e de
intelectuais de Curitiba, foi justamente com uma exposição de Poty, no auge de
sua fama e importância.
A Galeria de Arte Banestado, idealizada pelo diretor
Christóvam Soares Cavalcanti, passou a ser parte integrante do Programa de
Cultura do Banestado que foi criado e consolidado por mim no começo da década
de 80. Na ampliação que promovi, referido Programa de Cultura foi alçado para
além das artes plásticas, pois passamos a apoiar a literatura com a impressão
de livros de autores paranaenses, o teatro, e a música através do Coral
Banestado, sempre com o apoio da Lei Sarney (depois Lei Rouanet) e de
patrocínios, sem despesas para o banco. Vera Munhoz da Rocha Marques foi
convidada a assumir a administração da Galeria de Arte. Ela era uma jovem senhora
com muita desenvoltura, uma socialite
muito bem relacionada na alta sociedade curitibana (era prima dos governadores
Bento Munhoz da Rocha Neto e Ney Braga). Com a ampliação da galeria, Vera
passou a contar com o apoio de Clarissa Lagarrigue na sua administração.
Rapidamente a Galeria de Arte Banestado foi se tornando um
ponto de encontro de artistas e intelectuais. Meu gabinete situava-se no 7º
andar do mesmo prédio, de modo que eu estava sempre descendo àquele espaço que
funcionava no subsolo, e assim passei a conviver com aquele pessoal.
Poty tornou-se muito amigo de Vera Marques e frequentava a
galeria assiduamente, entre outros artistas da mesma idade e também dos jovens
valores que despontavam com grande evidência em exposições individuais e coletivas. Em duas ocasiões, vi Poty chegar à Galeria Banestado acompanhado de seu amigo Dalton Trevisan, este último meio caladão. Foi assim que conheci "o Vampiro de Curitiba". Poty e Vera formavam um bonito casal. Tanto Vera quanto Poty eram viúvos, e foi natural que a amizade se transformasse em namoro, o que, entretanto, nada comentávamos por discreção. Eu torcia por vê-los casados. Mas isso não aconteceu, pois Poty morreu antes, aos 74 anos.
O homem a um tempo simples e
sofisticado
Do convívio com Poty, fui descobrindo que atrás daquele
artista de aparência às vezes rude, havia outro – talvez ainda mais autêntico –
que era refinado, até sofisticado, profundo conhecedor de cinema, um
intelectual que passou a vestir-se com roupas elegantes. Ele viajava com
frequência à Europa e hospedava-se nos melhores e mais tradicionais hotéis. Eu
diria que ele se tornou até mais sociável e acessível às pessoas em geral. Era gentil com todos que a ele se dirigiam, embora um tanto calado, meio introspectivo. Posso estar errado, mas parece-me que ele talvez fosse um pouco tímido. Porém, quando tinha mais intimidade com as pessoas, conversava à vontade. Sua voz era naturalmente num tom baixo.
Invariavelmente, em nossas conversas o assunto derivava do cinema para as nossas viagens à Europa. Certa vez comentei com Poty que em Amsterdam, nas duas vezes em que lá estive, fiquei hospedado no Hotel De Roode Leew, estrategicamente situado na Damrak (a principal avenida da capital, que vai dar diretamente na estação ferroviária), a apenas dois prédios da Praça de Dam, que é onde se localiza o Palácio Real. Apesar do nome pomposo e da aparência clássica, o De Roode Leew era (e creio que continua sendo) um simples hotel 3 estrelas. Poty então contou-me que quando ía a Amsterdam sempre se hospedava a apenas uns 100 metros do meu hotel, no Grand Hotel Krasnapolsky, que fica em plena Praça de Dam, de frente para o Monumento Nacional e para o Palácio Real. Contou-me que quando chegava ao hotel, encontrava no seu apartamento uma grande cesta de frutas frescas. Eu conhecia o Grand Hotel Krasnapolsky, porque algumas vezes passei em frente a ele, e sempre que isto acontecia, eu olhava para dentro pela porta principal para observar o luxo e requinte daquele que é (ou era na época) considerado o melhor hotel do país. Por isso digo que Poty, embora sempre modesto - e ele o era realmente - sabia bem viver, com o conforto que ele de fato merecia.
Invariavelmente, em nossas conversas o assunto derivava do cinema para as nossas viagens à Europa. Certa vez comentei com Poty que em Amsterdam, nas duas vezes em que lá estive, fiquei hospedado no Hotel De Roode Leew, estrategicamente situado na Damrak (a principal avenida da capital, que vai dar diretamente na estação ferroviária), a apenas dois prédios da Praça de Dam, que é onde se localiza o Palácio Real. Apesar do nome pomposo e da aparência clássica, o De Roode Leew era (e creio que continua sendo) um simples hotel 3 estrelas. Poty então contou-me que quando ía a Amsterdam sempre se hospedava a apenas uns 100 metros do meu hotel, no Grand Hotel Krasnapolsky, que fica em plena Praça de Dam, de frente para o Monumento Nacional e para o Palácio Real. Contou-me que quando chegava ao hotel, encontrava no seu apartamento uma grande cesta de frutas frescas. Eu conhecia o Grand Hotel Krasnapolsky, porque algumas vezes passei em frente a ele, e sempre que isto acontecia, eu olhava para dentro pela porta principal para observar o luxo e requinte daquele que é (ou era na época) considerado o melhor hotel do país. Por isso digo que Poty, embora sempre modesto - e ele o era realmente - sabia bem viver, com o conforto que ele de fato merecia.
Na ocasião em que Poty e Valêncio Xavier lançaram o livro de
grandes dimensões Curitiba, de nós,
ele reservou-me uma surpresa na primeira página de um exemplar.
Esta é a página inicial, originalmente
em branco, do livro Curitiba, de nós,
de 1990, anterior à página com os dados técnicos da obra, na qual Poty fez um
desenho especialmente para mim. Sabedor de minha paixão por trens, ele desenhou
a locomotiva que então existia e decorava a ponte ferroviária (ou viaduto)
sobre a Rua João Negrão. Quanto ao condutor da carroça com bananas, se olharmos
com atenção a sua nuca e a cabeça sob o chapéu, percebemos que se trata,
nitidamente, de um autorretrato de costas. Ele fez uma dedicatória a mim e
assinou: "Para Fco. Souto Neto, cordialmente, Poty 90". Este foi um presente muito precioso, e guardo o exemplar com grande
carinho.
Uma das ilustrações do
livro: a Catedral de Curitiba e a Rua Barão do Cerro Azul.
Encerro com uma fotografia minha e algumas amigas ao lado de
Poty, seguida de alguns desenhos do saudoso artista.
Na Galeria Banestado.
Sentados, Poty Lazzarotto e Vera Munhoz da Rocha Marques. Atrás do casal, Alice
Varajão, Francisco Souto Neto e Marly Meyer Araújo.
Quando Poty faleceu em 1998, eu me encontrava em São Paulo. Eu soube do passamento só alguns dias depois, muito pesaroso. Fiz uma publicação sobre ele, na minha coluna Expressão & Arte, no dia 3 de julho. Escrevi longamente, contando detalhes sobre o Poty que eu conheci, que poderá ser lido no link abaixo:
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Alguns desenhos e gravuras de Poty:
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Espetacular!!!
ResponderExcluirAo Cine Club Navegantes - Tem Brasil, muito obrigado pelo elogio. Abraços.
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