quinta-feira, 9 de abril de 2020

CURITIBA, DE NÓS – o livro que recebi de presente de POTY LAZZAROTTO - por Francisco Souto Neto.


CURITIBA, DE NÓS – o livro que recebi de presente de POTY LAZZAROTTO

LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.


 
CURITIBA, DE NÓS – o livro que recebi de presente de POTY LAZZAROTTO


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Capa protetora do livro CURITIBA, DE NÓS de Poty Lazzarotto e Valêncio Xavier.


Comendador Francisco Souto Neto

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CURITIBA, DE NÓS
De Poty Lazarotto e Valêncio Xavier.

por Francisco Souto Neto


Capa de CURITIBA, DE NÓS – o livro que recebi de presente de POTY LAZZAROTTO

Napoleon Potyguara Lazzarotto, ou Poty Lazzarotto, ou simplesmente Poty, nasceu em Curitiba (1924 – 1998), destinado a ser um dos ilustradores mais importantes do país. Ainda jovem foi estudar arte na Europa. Voltando, associou-se a outro jovem, Dalton Trevisan, que criou a revista literária Joaquim, enquanto Poty a ilustrava.



Dalton Trevisan e Poty Lazzarotto - desenho de Poty.


A importância de Poty Lazzarotto

A carreira de Poty foi extraordinária. Ele trabalhou com desenhos, gravuras, serigrafias, litografias, mas também criou enormes murais e monumentos. Desde cedo passou a ilustrar os livros dos mais celebrados autores literários do Brasil, como Guimarães Rosa (em Grande sertão: veredas, A hora e a vez de Augusto Matraga, Sagarana e outros), Jorge Amado, Rachel de Queiroz dentre dezenas de outros, mas também edições mais recentes de outros ícones da Literatura Brasileira do século XIX, tais como José de Alencar e Machado de Assis. Painéis e murais de Poty são encontrados em praças públicas, em edifícios importantes, no Aeroporto Internacional de Curitiba, na fachada do Palácio Iguaçu, na fachada do Teatro Guaíra... e em tantos lugares que seria impossível enumerá-los, e que fizeram eternizar a importância desse artista singular.

A proximidade de Poty com a Galeria Banestado

Lá pela década de 70, Poty era tido como um homem muito fechado, esquivo, simples a ponto de andar com sandálias de dedo. Eu era assessor da diretoria (depois da presidência) do Banco do Estado do Paraná, quando inauguramos a Galeria de Arte Banestado. E o ato inaugural daquele que seria um dos mais famosos pontos de encontro de artistas plásticos e de intelectuais de Curitiba, foi justamente com uma exposição de Poty, no auge de sua fama e importância.

A Galeria de Arte Banestado, idealizada pelo diretor Christóvam Soares Cavalcanti, passou a ser parte integrante do Programa de Cultura do Banestado que foi criado e consolidado por mim no começo da década de 80. Na ampliação que promovi, referido Programa de Cultura foi alçado para além das artes plásticas, pois passamos a apoiar a literatura com a impressão de livros de autores paranaenses, o teatro, e a música através do Coral Banestado, sempre com o apoio da Lei Sarney (depois Lei Rouanet) e de patrocínios, sem despesas para o banco. Vera Munhoz da Rocha Marques foi convidada a assumir a administração da Galeria de Arte. Ela era uma jovem senhora com muita desenvoltura, uma socialite muito bem relacionada na alta sociedade curitibana (era prima dos governadores Bento Munhoz da Rocha Neto e Ney Braga). Com a ampliação da galeria, Vera passou a contar com o apoio de Clarissa Lagarrigue na sua administração.

Rapidamente a Galeria de Arte Banestado foi se tornando um ponto de encontro de artistas e intelectuais. Meu gabinete situava-se no 7º andar do mesmo prédio, de modo que eu estava sempre descendo àquele espaço que funcionava no subsolo, e assim passei a conviver com aquele pessoal.

Poty tornou-se muito amigo de Vera Marques e frequentava a galeria assiduamente, entre outros artistas da mesma idade e também dos jovens valores que despontavam com grande evidência em exposições individuais e coletivas. Em duas ocasiões, vi Poty chegar à Galeria Banestado acompanhado de seu amigo Dalton Trevisan, este último meio caladão. Foi assim que conheci "o Vampiro de Curitiba". Poty e Vera formavam um bonito casal. Tanto Vera quanto Poty eram viúvos, e foi natural que a amizade se transformasse em namoro, o que, entretanto, nada comentávamos por discreção. Eu torcia por vê-los casados. Mas isso não aconteceu, pois Poty morreu antes, aos 74 anos.

O homem a um tempo simples e sofisticado

Do convívio com Poty, fui descobrindo que atrás daquele artista de aparência às vezes rude, havia outro – talvez ainda mais autêntico – que era refinado, até sofisticado, profundo conhecedor de cinema, um intelectual que passou a vestir-se com roupas elegantes. Ele viajava com frequência à Europa e hospedava-se nos melhores e mais tradicionais hotéis. Eu diria que ele se tornou até mais sociável e acessível às pessoas em geral. Era gentil com todos que a ele se dirigiam, embora um tanto calado, meio introspectivo. Posso estar errado, mas parece-me que ele talvez fosse um pouco tímido. Porém, quando tinha mais intimidade com as pessoas, conversava à vontade. Sua voz era naturalmente num tom baixo.

Invariavelmente, em nossas conversas o assunto derivava do cinema para as nossas viagens à Europa. Certa vez comentei com Poty que em Amsterdam, nas duas vezes em que lá estive, fiquei hospedado no Hotel De Roode Leew, estrategicamente situado na Damrak (a principal avenida da capital, que vai dar diretamente na estação ferroviária), a apenas dois prédios da Praça de Dam, que é onde se localiza o Palácio Real. Apesar do nome pomposo e da aparência clássica, o De Roode Leew era (e creio que continua sendo) um simples hotel 3 estrelas. Poty então contou-me que quando ía a Amsterdam  sempre se hospedava a apenas uns 100 metros do meu hotel, no Grand Hotel Krasnapolsky, que fica em plena Praça de Dam, de frente para o Monumento Nacional e para o Palácio Real. Contou-me que quando chegava ao hotel, encontrava no seu apartamento uma grande cesta de frutas frescas. Eu conhecia o Grand Hotel Krasnapolsky, porque algumas vezes passei em frente a ele, e sempre que isto acontecia, eu olhava para dentro pela porta principal para observar o luxo e requinte daquele que é (ou era na época) considerado o melhor hotel do país. Por isso digo que Poty, embora sempre modesto - e ele o era realmente -  sabia bem viver, com o conforto que ele de fato merecia.

Na ocasião em que Poty e Valêncio Xavier lançaram o livro de grandes dimensões Curitiba, de nós, ele reservou-me uma surpresa na primeira página de um exemplar.

Esta é a página inicial, originalmente em branco, do livro Curitiba, de nós, de 1990, anterior à página com os dados técnicos da obra, na qual Poty fez um desenho especialmente para mim. Sabedor de minha paixão por trens, ele desenhou a locomotiva que então existia e decorava a ponte ferroviária (ou viaduto) sobre a Rua João Negrão. Quanto ao condutor da carroça com bananas, se olharmos com atenção a sua nuca e a cabeça sob o chapéu, percebemos que se trata, nitidamente, de um autorretrato de costas. Ele fez uma dedicatória a mim e assinou: "Para Fco. Souto Neto, cordialmente, Poty 90".  Este foi um presente muito precioso, e guardo o exemplar com grande carinho.


Uma das ilustrações do livro: a Catedral de Curitiba e a Rua Barão do Cerro Azul.

Encerro com uma fotografia minha e algumas amigas ao lado de Poty, seguida de alguns desenhos do saudoso artista.


Na Galeria Banestado. Sentados, Poty Lazzarotto e Vera Munhoz da Rocha Marques. Atrás do casal, Alice Varajão, Francisco Souto Neto e Marly Meyer Araújo.


Quando Poty faleceu em 1998, eu me encontrava em São Paulo. Eu soube do passamento só alguns dias depois, muito pesaroso. Fiz uma publicação sobre ele, na minha coluna Expressão & Arte, no dia 3 de julho. Escrevi longamente, contando detalhes sobre o Poty que eu conheci, que poderá ser lido no link abaixo: 



Meu elogio e uma homenagem à memória de um amigo.

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Alguns desenhos e gravuras de Poty:









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