sábado, 18 de abril de 2020

ALMANACH HACHETTE 1908 com anotações de Arary Souto (1908-1963).



 LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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ALMANACH HACHETTE 1908


Capa de ALMANACH HACHETTE 1908

Comendador Francisco Souto Neto


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ALMANACH HACHETTE 1908

por Francisco Souto Neto

 
Arary Souto (1908 – 1963)

Meu pai Arary Souto (1908 – 1963) foi jornalista (diretor de redação do Jornal do Paraná entre as décadas de 40 e 50) e radialista (fundador e diretor da Rádio Central do Paraná entre as décadas de 50 e 60). Desde a minha infância lembro-me de que livros, jornais e revistas eram uma constante em minha casa.

Arary Souto quando jovem: um dândi.

Um desses livros é o Almanach Hachette, editado em Paris, o mais importante almanaque mundial do começo do século XX. As bordas das páginas são em ouro. A edição é de 1908, ano de nascimento de meu pai. Lembro-me de que quando eu era pré-adolescente, descobri que esse almanaque continha informações generalizadas sobre todos os países do mundo, com a relação das populações das principais cidades de cada um deles. Eu gostava de comparar as populações das principais cidades daquela época, 1908, com as brasileiras que eram atuais naquela década de 50. Manias de criança...
A maior curiosidade desse exemplar é que nas suas páginas iniciais, que contêm linhas em branco para anotações do leitor, há um depoimento manuscrito do meu pai. Ele deixou ali registradas estas palavras:


 
1908 – Ano do meu nascimento a 18 de abril.
A civilização aqui ainda estava em evolução.
Hoje, dia 25 de julho de 1943, em que a civilização está em seu apogeu, escrevo isto um tanto com satisfação porque a guerra que se iniciou a 1º de setembro de 1939, hoje toma novo aspecto em vista de ter Mussolini renunciado ao cargo de ministro, às 18 horas do dia 25 de julho de 1943.
O nosso sofrimento por causa desta guerra é horrível, porém todos os brasileiros sofrem com uma resignação extraordinária porque nossa causa terá que ser vencida por nós, “aliados”. Nosso emblema é o V que quer dizer Vitória.
Como Encarregado Geral do racionamento em Presidente Venceslau, cargo este que me impôs a guerra, deixo aqui registrada minha satisfação pela nossa vitória que está bem próxima.
Ponta Grossa, 25 de julho de 1943.
Arary Souto.

Exatamente 39 dias após meu pai ter escrito as palavras acima, a 2 de setembro de 1943, eu viria ao mundo. Mas a vitória das forças aliadas ainda demoraria exatos dois anos após meu nascimento. A II Guerra Mundial terminou a 2 de setembro de 1945.

Como disse antes, na década de 50 eu me interessava em saber quais eram as mais importantes cidades do Brasil. Eis a relação no Almanach Hachette, com a grafia exatamente como consta no famoso almanaque francês:

·         Rio de Janeiro....................................811.265 habitantes
·         Sao Paulo..........................................332.000
·         Bahia ou San Salvador......................230.000
·         Recife................................................120.000
·         Para ou Belem...................................100.000
·         Ouro Preto.........................................  59.249
·         Céara [ou Fortaleza].........................  40.902
·         Nictheroy...........................................  35.000
·         Therezina...........................................  31.523
·         São-Luiz.............................................. 32.000
·         Parahyba............................................ 32.000
·         Maceio...............................................  33.000
·         Desterro.............................................  30.687
·         Corityba.............................................. 25.000
·         Goyaz.................................................  17.181
·         Victoria............................................... 16.887
·         Aracaju............................................... 16.336
·         Natal................................................... 13.725

A esse tempo o Hachette registrou as populações maiores cidades do mundo: Berlim: 2.040.148,  Viena: 1.674.957,  Bruxelas: 198.311, Copenhague: 426.540, Madrí: 539.835,  Paris: (estranhamente não é informada), Londres: 4.684.794, Atenas: 111.486, Roma: (população também não informada), Lisboa: 356.009, São Petersburgo:  1.429.090,  Berna: 71.748, Estocolmo: 324.488, Constantinopla [Istanbul]: 1.106.000,  Cairo: 565.187;  Nova York: 4.113.000 (a mais populosa cidade do mundo), Buenos Aires: 1.046.517, La Paz: 78.510, Santiago; 334.538, México: 344.721, Assunção: 60.260, Lima: 130.000, Pequim: 500.000, Tóquio: 1.818.655, Bangkok: 600.000, Sidnei: 518.570.

As seções do almanaque são nada menos do que fascinantes. Por exemplo, as páginas que registram os dirigentes das nações do mundo. Os países de menor importância, como o Brasil, não estão ali nem citados.

Várias páginas mostram os dirigentes dos países mais importantes do mundo. O Brasil não figura ali.

Impressionante são as páginas com as plantas das dezenas de teatros de Paris. Eles mostram o layout interno de cada teatro e até as poltronas numeradas da plateia e dos diversos balcões, para facilitar aos leitores a escolha dos lugares...

O Hachette mostra, em várias páginas, as plantas dos teatros parisienses.

Enfim, um almanaque curiosíssimo com miríades de assuntos abordados. Isso foi há 112 anos – quando meu pai nasceu.

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P.S.
Texto escrito hoje, 18 de abril de 2020, que seria aniversário de meu pai. 112 anos!

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