quinta-feira, 30 de abril de 2020

A PROSA GÓTICA DE ÁLVARES DE AZEVEDO EM NOITE NA TAVERNA, de Dione M. S. Rosa.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de A PROSA GÓTICA DE ÁLVARES DE AZEVEDO EM NOITE NA TAVERNA, de DIONE M. S. ROSA.

 
Comendador Francisco Souto Neto


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A PROSA GÓTICA DE ÁLVARES DE AZEVEDO EM NOITE NA TAVERNA, de DIONE M. S. ROSA

Comentário por Francisco Souto Neto


A escritora Dione M. S. Rosa

Minha sobrinha e afilhada Dione Mara Souto da Rosa já publicou tantos livros que, a bem da verdade, perdi a conta. Começou escrevendo poemas, depois ampliou suas criações para o campo da literatura propriamente dita, e os livros foram sucedendo-se com a passagem dos meses e dos anos.

O livro que estou hoje comentando foi publicado recentemente, em 2017, sob o título de A Prosa Gótica de Álvares de Azevedo em Noite na Taverna. Nos anos anteriores eu prefaciei vários outros livros de Dione Mara, tanto os de poemas quando os de literatura na forma de contos e novelas. Minha sobrinha convidou-me para prefaciar este livro porque, de certo modo, eu soube de todo o trabalho que ela teve nas pesquisas que viriam a resultar na publicação da obra. Isto culminou no ano de 2016, quando eu compareci à sessão pública de dissertação, em que Dione Mara obteve o grau de mestra, na conclusão do seu Mestrado em Teoria Literária. O tema foi o livro Noite na Taverna de Álvares de Azevedo: Amor e Morte Emoldurados por Sombras Góticas. Devo confessar que referida sessão pública, à qual compareceram vários amigos e admiradores de Dione Mara, impressionou-me profundamente pela atuação de minha sobrinha na conquista do seu mestrado.

Vou ilustrar este meu comentário com algumas fotos abaixo. São da capa e da quarta capa (ou contracapa) do livro, da página da dedicatória com os dados biográficos da autora, da página de agradecimentos, do prefácio da minha autoria, do sumário da obra para que se tenha uma ideia do conteúdo dos cinco capítulos, e da primeira página da introdução feita pela própria autora. Mas... somente da primeira página da introdução, pois o restante do conteúdo ficará reservado para aqueles que se interessarem em conhecê-lo na íntegra. Na última foto abaixo, poderão ser encontradas as formas de contato com a autora.












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domingo, 26 de abril de 2020

LUCUBRAÇÕES de Francisco Lobo da Costa, com comentários de Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.
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Capa de LUCUBRAÇÕES de FRANCISCO LOBO DA COSTA


 
Comendador Francisco Souto Neto

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LUCUBRAÇÕES de Francisco Lobo da Costa

Comentário por Francisco Souto Neto

Eu tenho um livro em minha biblioteca, editado em 1874 (há 148 anos, quase UM SÉCULO E MEIO), Lucubrações, com poemas de Francisco Lobo da Costa, que pertenceu à biblioteca de meu bisavô Francisco José Alves Souto, filho do Visconde de Souto e pai do meu avô Francisco Souto Júnior.

Em fevereiro de 2002 eu recebi a visita de meu antigo colega do Banestado, José Gil de Almeida, que então era diretor e proprietário do Jornal Água Verde, de Curitiba. Mostrei a ele o livro Lucubrações, que pertencera a meu bisavô, e o meu poema predileto naquele livro, intitulado “Na sepultura de Amélia”.

José Gil ficou impressionado com a ortografia vigente em 1874 e com a beleza do poema, e pediu-me para publicar os versos no seu jornal. Claro que concordei, pela oportunidade de divulgar um poema tão precioso e na ortografia original. A publicação ocorreu nos dias seguintes, no nº 246 do referido jornal.


 

José Gil de Almeida, diretor e proprietário do Jornal Água Verde, refere-se a um livro da biblioteca de Francisco Souto Neto, “Lucubrações” (edição de 1874), do poeta Francisco Lobo da Costa, livro este que pertenceu à biblioteca de Francisco José Alves Souto (1847–1890), bisavô de Francisco Souto Neto.

Acima, o livro “Lucubrações”, originalmente da biblioteca de Francisco José Alves Souto, encadernado em 1874.

Acima, Francisco José Alves Souto (1847-1890), filho do Visconde de Souto.

Acima, à esquerda, Francisco Souto Júnior (1881-1948), óleo sobre tela de R. P. Moraes Faber. À direita, Arary Souto (1908-1963) em 1961, óleo sobre tela de Vilmar Lopes. Nessa pintura, Arary Souto (pai de Francisco Souto Neto) está segurando o livro “Lucubrações” (clique para ampliar a foto).

 Abaixo, a transcrição da publicação feita pelo Jornal Água Verde:

Um belo poema de 1874

O poema abaixo é do livro “Lucubrações”, de autoria de Francisco Lobo da Costa, editado pela Typographia J. Seckler, de São Paulo, no ano de 1874. O livro faz parte do acervo de Francisco Souto Neto e foi gentilmente encaminhado à nossa redação, a nosso pedido.

Na sepultura de Amelia [respeitada a ortografia vigente em 1874]

E’ dor de mais… Pois não è? (Cassimiro de Abreu)

Dorme aqui! Aqui descança,
Perdida como a criança,
Sem um raio de esperança,
Sem uma restea de luz…
– Dorme! – e a noite eterna passa
Sobre o tumulo que abraça,
Deixando apenas fumaça
Do lampadario da cruz.
.
Pobre Amelia!… Que destino
Foi esse, que tão ferino,
Aos dobres roucos do sino
Fez-te a fronte reclinar!
N’aurora apenas da vida
Flor, cahiste emmurchecida,
E foste dormir perdida
Entre as brumas do luar!
.
Pobre Amelia!… e eu que te adorava
Com esse fogo de lava,
Quando em teus olhos brilhava
Uma lagrima dos céos!
No emtanto, a morte impiedosa –
Dos meus amores ciosa,
Calou-te o’ pallida roza,
Para vingar-se de Deus!
.
A morte!… esse anjo funerio,
Que dorme sobre o mysterio
Nas larvas do cemiterio,
E desperta frio e só…
– A morte! – fada estrangeira,
Que faz d’alma a sua esteira,
E da fronte uma caveira
Para rolar sobre o pó!
.
A morte!… E foi tão cruenta,
Que deixou-te macilenta
Quando essa face aurea e benta
Tinha do amor o carmim…
A morte!!… E pôde a tyrana,
Apagar a luz sobr’ana
D’esses olhos de sultana –
Sempre volvidos á mim!!…
.
Pobre Amelia!  A morte tua
Foi como um raio da lua,
Que bateu-me á fronte nua,
Em noite de auzencia… além!
Quando expiraste… distante,
Em sonhos vi teu semblante,
Ai… foi dor tão penetrante
Que, quase morri tambem!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quem ha de acordar-te agora!
Nem os preludios da aurora,
Nem o sol que si descora
Pelas montanhas alli…
Entre nós – existe um lenho,
Sobre o qual tristonho venho –
Dar-te as lagrimas que tenho,
Dar-te as crenças que perdi!
.
Si foi bella a nossa infancia,
Mais bella foste em fragrancia
Roza da celere estancia,
Morta apenas em botão!
Por teu sudario… teus sonhos…
Por teus dias mais risonhos…
Por meus remorsos medonhos…
– Boa noite, Amelia… Perdão!…

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Abaixo, as cópias xerox da capa e contracapa abertas, e algumas das páginas internas do livro, com a letra do meu pai, Arary Souto, em 1917, quando recebeu o livro de presente de sua avó que se chamava Maria da Lapa de Salles Oliveira Souto.






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Acima, minha fotografia tirada hoje, dia 26 de abril de 2020, aos 76 anos, segurando o livro Lucubrações, neste triste período da pandemia do Coronavírus (COVID-19) que assola o Brasil e o mundo inteiro, obrigando-nos ao “isolamento social”, pois o vírus está matando dezenas de milhares de pessoas em todo o planeta. Fica o registro de um período, que talvez seja muito longo, em que todos nos mantemos aprisionados dentro de nossas próprias residências, quase uma condição de vida ou morte.

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COMO É de Samuel Beckett com comentários de Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de COMO É de SAMUEL BECKETT


Comendador Francisco Souto Neto


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COMO É (COMMENT C’EST) de SAMUEL BECKETT

Comentário por Francisco Souto Neto


Quem conhece Samuel Barclay Beckett certamente sabe que ele foi um dramaturgo e escritor irlandês, amplamente considerado como um dos escritores mais influentes do século XX. Fortemente inspirado por James Joyce, ele é considerado um dos últimos modernistas. Recebeu o Nobel de Literatura de 1969. Utiliza nas suas obras, traduzidas em mais de trinta línguas, uma riqueza metafórica imensa, privilegiando uma visão pessimista acerca do fenômeno humano.

No teatro, sua peça mais importante é Esperando Godot, um dos ícones do Teatro de Absurdo.

Por maior que seja a nossa estranheza ao ler COMO É, devemos ter em mente que em se tratando de um Nobel de Literatura, é preciso estar convicto de que se refere a uma obra séria, apesar de Beckett não usar letras maiúsculas ao início das frases, nem pontuação – não existem pontos, nem vírgulas, nada – e construir as frases de um  modo que foge à gramática e à própria lógica. No entanto, à medida em que avançamos nas páginas, vamos ganhando a compreensão daquilo que o autor pretende transmitir.

Saramago, outro grande escritor – um dos maiores do mundo – e também ganhador do Nobel de Literatura, igualmente vale-se de um modo revolucionário e inovador na construção das frases.

Página de abertura, com minhas impressões em 22 de agosto de 1977.

Esta é a primeira página de COMO É, com seus cinco primeiros parágrafos. Até à última página do livro, o estilo é o mesmo.

Algumas vezes indevidamente rendemo-nos ao riso, como no parágrafo grifado na página 48.


Sempre surpreendente como na página 65...

...e como relata a morte do pai na página 96.

E ainda como termina a obra, à página 178.

Numa das reuniões do Núcleo de Literatura e Cinema André Carneiro – NLCAC, cujas Oficinas Literárias são coordenadas por Valter Cardoso, meu amigo e também confrade na Academia de Letras José de Alencar - ALJA, levei este livro e li para os colegas vários dos seus parágrafos.

As reuniões de ambos os referidos centros literários citados foram interrompidas devido à pandemia que estamos vivendo no Brasil e no mundo inteiro no momento em que escrevo, a 26 de abril de 2020. Por isso, este blog que criei para contar histórias pessoais envolvendo livros da minha biblioteca, surge-me como um lenitivo para me ocupar enquanto durar esta prisão necessária, a que chamamos de “isolamento social”. É duro estarmos em nossas residências isolados do mundo exterior, entretanto esta é uma medida necessária. Isto nos dá imaginar o sentimento das famílias engolidas pela Peste Negra durante a Idade Média, tal como nos contam os livros de História e o filme “O Sétimo Selo”, do genial diretor sueco Ingmar Bergman. Quem diria que haveríamos de viver uma tragédia parecida? No nosso caso, o isolamento pode ser a diferença entre a vida e a morte.

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sábado, 25 de abril de 2020

SELETA FILOSÓFICA, de DÉCIO VALENTE, que ganhei como prêmio pela publicação de uma história em 1959.



LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de SELETA FILOSÓFICA de DÉCIO VALENTE

Comendador Francisco Souto Neto

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SELETA FILOSÓFICA – PENSAMENTOS E REFLEXÕES de DÉCIO VALENTE.
por Francisco Souto Neto


Página de abertura de SELETA FILOSÓFICA, que foi um livro que recebi como prêmio de JAYME CORTEZ, por uma história minha que foi publicada em 1959 numa revista.

No começo do ano de 1959, aos 15 anos, eu escrevi a história “O túmulo que chora” e enviei-a para um concurso da revista Histórias Macabras, promovido pelo proprietário da Editora Continental Ltda., de São Paulo, o então celebrado Jayme Cortez (https://br.pinterest.com/luquesilva00/jayme-cortez/), o mais famoso desenhista de capas de revistas dos anos 50.

Meu pequeno conto “O túmulo que chora” era baseado numa história real, ou pelo menos acreditávamos que fosse real, pois o túmulo existia no Cemitério Municipal de Ponta Grossa. O nome que dei ao personagem da história, “Carlos Soucha”, concebi assim: “Carlos” em homenagem a meu grande amigo da época, Carlos Roberto Emilio, e “Soucha” foi para homenagear o casal de namorados que, em 1959, eram minha irmã Ivone SOUto e Hilson RoCHA. Portanto, “Soucha” foi uma simbiose de SOU (de Ivone Souto) e CHA de Rocha.

Mandei a história para a revista em quadrinhos Histórias Macabras, que foi publicada quando eu já estava com 16 anos. Recebi uma carta do legendário Jayme Cortez...

O envelope contendo a carta abaixo

Carta que recebi de Jayme Cortez

  ...que era o mais importante desenhista do Brasil (autor da capa da revista, cuja assinatura quase não se vê em baixo, à esquerda). 

Capa de Histórias Macabras nº 4 (capa de Jayme Cortez)

“O túmulo que chora”, história de Francisco Souto Neto.
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Como prêmio, ganhei o “livrão” Seleta Filosófica, que me é útil até hoje.

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quinta-feira, 23 de abril de 2020

CONTOS de HERMANN HESSE com comentários de Francisco Souto Neto.



LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de CONTOS de HERMANN HESSE

Comendador Francisco Souto Neto


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CONTOS de HERMANN HESSE

por Francisco Souto Neto


O meu exemplar do livro CONTOS, de Hermann Hesse, teve uma história curiosa que começou com outra história: o professor e catedrático Robert Karel Bowles era conhecido em Ponta Grossa por sua cultura. Ele era filólogo e linguista, um holandês nascido na Ilha de Java. O Professor Bowles, como era conhecido, falava seis ou sete idiomas com perfeição e sem sotaque, tal como o ouvíamos falar no nosso idioma. Sua esposa, Dona Johanna, igualava-o em cultura. E os filhos, Henrique, Ada e Robert Jan, todos holandeses de nascimento e depois naturalizados brasileiros, seguiam a mesma trilha dos pais em formação de caráter e cultura.

Em meados da década de 60 o Professor Bowles idealizou uma coletânea com artigos de seus colegas catedráticos da atual Universidade Estadual de Ponta Grossa e de alguns alunos mais brilhantes, que teria o título de Minerva. A edição de 1967 levava o subtítulo de “Anuário da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa” – Nº 1.  A propósito, meu pai, Arary Souto, é mencionado à página 163 dessa obra, num texto do jornalista Daily Luiz Wambier, intitulado “Literatura Ponta-grossense”.

Prof. Bowles, eu soube depois, teve muito trabalho para realizar tal livro, devido à quantidade de “tropeços” dos autores no idioma pátrio, e também nos erros cometidos pelo linotipista da gráfica encarregada da edição. Para realizar o Nº 2 dessa publicação no ano seguinte, 1968, ele resolveu encontrar alguém que fosse muito bom em português para auxiliá-lo. Sinceramente, não sei como ele chegou ao meu nome. O fato é que o Prof. Bowles perguntou-me se eu poderia ajudá-lo.

Eu trabalhava no Banco do Estado do Paraná no cargo de escriturário, de manhã e à tarde. Naquele 1968 eu cursava o 3° ano de Direito, à noite. Portanto, essa ajuda ao Prof. Bowles teve que ser durante minhas férias na Faculdade de Direito, pois eu ia todas as noites à sua residência, que era distante apenas uns 300 metros de onde eu morava. E lá ficávamos até perto da meia-noite fazendo correções e discutindo sobre particularidades do idioma. A certa hora, Dª Johanna trazia-nos chá com bolachas.


Capa de Minerva nº 1, de 1967.

O trabalho com Prof. Bowles era pura diversão. Os erros que eu encontrava nos textos dos autores eram às vezes tão estapafúrdios, que eu caía numa risada que quase sempre se transformava em incontido ataque de riso. O Prof. Bowles mostrava-se indignado com erros tão primários encontrados em textos daqueles autores, e com o excesso de equívocos do linotipista, enquanto eu ria sem parar. O velho mestre às vezes também “embarcava” na minha risada, e lá ficávamos, ele com seu riso discreto, e eu com as gargalhadas que me eram comuns na juventude.

O fato é que os textos por nós analisados, discutidos e corrigidos, ficaram enxutíssimos e o livro resultou perfeito no conteúdo e na forma.

Professor Robert Karel Bowles e sua esposa Dona Johanna (à esquerda) no casamento de Robert e Regina. Ao lado direito, estão Francisco Souto Neto e sua mãe Dona Edith Barbosa Souto, padrinhos do noivo em agosto de 1968.

Depois veio o nº 2 de Minerva. Desta feita, o Prof. Bowles convidou-me para publicar um artigo, embora o livro estivesse montado com textos e poesias dos professores e alguns alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras... e eu era um estudante da Faculdade de Direito. Senti-me muito honrado e escrevi uma vez mais com base num tema que eu vinha desenvolvendo há tempos, que versava sobre minha viagem de turismo e estudos a três países andinos, com o título de “Reflexões sobre o Império dos Incas”. O livro, com 200 páginas como o anterior, resultou perfeito e foi apreciadíssimo e aplaudido, como ocorrera com a primeira edição.


Capa de Minerva nº 2, de 1968, idêntica à edição do ano anterior.

O Prof. Bowles chamou-me para acertarmos as contas. E eu disse a ele que não lhe cobraria absolutamente nada. Ele se surpreendeu, insistiu em pagar-me e eu, por meu turno, insisti em nada receber, porque aquele trabalho foi riquíssimo pelo tanto que discutimos sobre o idioma português, e pelo tanto que aprendi e me aperfeiçoei. Como não bastasse, tornei-me amigo de um dos filhos do professor, o jovem Robert Jan Bowles, e foi uma amizade que atravessou as décadas, ampliada com o ingresso de Regina Romano à família Bowles, pelo casamento com Robert. Isto aconteceu há mais de meio século. O Prof. Bowles e Dª Johanna já faleceram, entretanto eu, Robert e Regina continuamos amigos até hoje.

Algum tempo depois da publicação de Minerva n° 2, meu amigo Robert Jan foi à minha casa levando-me um presente do seu pai, o Prof. Bowles. Eram três livros. Ele acertou inteiramente o meu gosto literário, porque o seu filho Robert Jan, numa das suas frequentes idas à minha residência, tinha descoberto quais os livros e os autores que me agradavam. Um desses livros era Contos, de Hermann Hesse, naquela época um dos meus autores prediletos, de quem eu já lera O Lobo da Estepe, Demian e outros. Mas eu ainda não conhecia Contos.


O livro CONTOS de Hermann Hesse


Capa de Contos, de Hermann Hesse.

Dedicatória do Prof. Robert Karel Bowles para Francisco Souto Neto.

O professor fez a seguinte dedicatória no livro, que me deixou envaidecido e sensibilizado:

“E então ficamos, o jovem doutor e eu, por horas a fio a pesar palavras e mais palavras, em noites roubadas ao sono”.
Citação de “As Memórias do Prof. Bowles”
Ponta Grossa, 12-7-1972.
Robert Karel Bowles.

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O livro contém vários contos de Hesse. Como de hábito, sempre leio livros com uma caneta à mão, para ir fazendo anotações. Fiz inúmeras delas, porque o livro era muito bom. Foi naquela época em que, numa viagem ao interior de São Paulo, conheci um desenhista com extraordinário talento, Chico Lopes, cuja história eu relato no livro VOZES DO PARANÁ Volume 9, resultado de uma entrevista que concedi ao jornalista Aroldo Murá Haygert. Vide, no link abaixo, o último parágrafo do capítulo “A arte ainda latente”, à página 154, e mais uma citação constante da penúltima linha do capítulo “O sonho”, à página 155:


Como os desenhos e também os escritos de Chico Lopes eram cheios de magia, e ele ainda não conhecia Hesse, resolvi emprestar-lhe o meu exemplar. Enviei-o sob registro, pelos correios, para Novo Horizonte, interior de São Paulo, onde residia o meu novo amigo, que então, em vez de “Chico Lopes”, assinava “Franz”. Ele leu o livro e devolveu-o com belos desenhos que fez com caneta preta. Pode-se dizer que ele ilustrou o livro, como se vê abaixo.





Diversos desenhos feitos por Chico Lopes no livro Contos, em meio a algumas anotações de Francisco Souto Neto.

Devo acrescentar que Chico Lopes depois passou a pintar sobre tela, com excelentes resultados, e ampliou suas atividades culturais em direção ao universo da literatura, publicando livros com novelas e contos. Tão bem já escrevia, que com um deles concorreu ao mais tradicional dos concursos no Brasil, o prêmio Jabuti, e conquistou um troféu.

Hoje Chico Lopes faz muito sucesso no mundo literário e é um escritor reconhecido.

O livro CONTOS, de Hermann Hesse, assim concentra várias histórias de vitória de alguns amigos meus, e enriquece a minha biblioteca com beleza, lembranças e saudade.

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