LIVROS COM HISTÓRIAS
QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do
que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias
pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e
ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso
há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar
algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha
biblioteca.
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Capa de SÃO BERNARDO, de Graciliano
Ramos.
Comendador Francisco Souto Neto
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SÃO BERNARDO, de Graciliano
Ramos
Comentário por Francisco Souto Neto
Ganhei o livro São Bernardo de
Dª Grací (Maria da
Graça Aguiar Armellini que, enviuvando, conheceu um francês, Maxime Trény, e com
ele casou-se em segundas núpcias, passando a assinar Maria da Graça Trény). No ano de 1961 Dª Grací foi minha professora de
Literatura Francesa no Curso Científico (1960 a 1962). Antes disso ela
tinha sido professora de francês de minha irmã Ivone, na segunda metade da década
de 50, quando Ivone namorava um rapaz que era sobrinho de Dª Grací. As filhas
de Dª Grací já tinham estado em minha casa, a convite de minha irmã, e creio
que até mesmo o irmão delas, que era um menino, acompanhou as irmãs numa das
vezes.
No ano de 1961 recebi as meninas Célia e Lúcia em
minha casa, e tiramos uma fotografia juntos no jardim.
Portanto, eu já a conhecia Dª Grací de vista quando, no Curso Científico,
tive-a como professora. E, sem sombra de dúvida, a matéria Literatura Francesa
era a que mais me encantava dentre todas as outras. Como não bastasse, naquela
época a língua francesa era mais importante do que a inglesa e tratava-se do
idioma oficial do mundo diplomático. Ao mesmo tempo, os autores franceses despontavam
como os mais apreciados na literatura. Não era de estranhar que minhas notas
nas provas de Literatura Francesa fossem sempre as mais altas e, por isso,
fiz-me notar pela professora.
Antes de ser aluno de Dª Grací, eu já sabia que durante
a primeira metade do século XVII em Paris, Madame de Rambouillet (1588-1665)
deu uma contribuição notável para a própria essência da civilização francesa,
conhecida como arte de viver. Em sua residência, a Mansão de Rambouillet, ela
usava uma de suas salas, a de cor azul (la chambre bleue) para reuniões com a
esfera de intelectuais da capital francesa. Ali, naquele recinto que passou para a História como La Chambre Bleue, por mais de cinquenta
anos ela realizou reuniões que foram
chamadas “encontros do belo” porque mostravam as artes da conversação e da sociabilidade
que inspiraram a criação de muitas inovações sociais, culturais, musicais, arquitetônicas
e literárias. Ali surgiram e foram discutidas ideias que
mudaram a França – e o mundo – para muito melhor.
Pois
sem que nunca se tenha feito qualquer alusão a Madame de Rambouillet, eu passei
a achar que Dª Grací se assemelhava àquela diletante madame intelectual, porque
minha professora abria sua casa para os alunos do Curso Científico – que se
realizava no Colégio Regente Feijó de Ponta Grossa – para que pudessem
consultar os livros da sua biblioteca particular. De fato, a porta da casa
estava literalmente sempre aberta. Os três filhos encontravam-se presentes, ou
pelo menos um ou dois deles: Lúcia, Célia e Tuca (Arthur Armellini Júnior). Os
discos silenciavam quando Lúcia se dirigia ao piano. Era uma pianista completa
e perfeita; interpretava, com rara maestria, desde os populares a Bach. Na
música, nada lhe fazia frente. Em cultura, os três filhos seguiram a mãe. O
Tuca era ainda um menino, mas depois de adulto tornamo-nos muito amigos.
Dona
Grací sentava-se e discutia literatura
com os alunos e amigos. Mostrava seus livros, falava sobre escritores, pintura,
música. Emprestava livros e discos a quem se interessasse. Posso afirmar que
ela influenciou gerações.
Naquele
tempo eram raras as pessoas que tinham telefone. Tratava-se de um produto
caríssimo, “de luxo”, acessível a bem poucos. Em Ponta Grossa deveriam ser
menos de mil aparelhos, porque o número identificador do telefone tinha apenas
três dígitos. O telefone não era dotado de disco. Era preciso pedir à
telefonista para ligar para o número tal. Se a pessoa quisesse fazer um
interurbano para Curitiba, por exemplo, teria que esperar muitas horas até que
a ligação se realizasse. Por isso, era hábito receber-se ou fazer-se visita “de
surpresa”. Hoje ninguém vai nem mesmo à casa de um irmão sem antes telefonar.
Naquele tempo, não. Por isso, quando eu sentia vontade, ía a casa de Dª Grací
sem antes nem perguntar se poderia ir. Lá chegando, se ela não estivesse,
sempre havia algum dos filhos... e lá ficava eu, a mexer nos livros, até que a dona da casa chegasse. Por isso
tudo, para mim Dª Grací era a personificação de Madame de Rambouillet.
No
ano de 1962 meu pai ficou gravemente enfermo. Recebemos a visita de Dª Grací
com o marido Sr. Arthur, e na ocasião tiramos três fotografias.
Recebemos a visita do casal Sr. Arthur e Dª Graci.
Coloquei um disco de Julie London (About the Blues)
para Dª Grací ouvir.
As fotos eram tiradas sem flash. Portanto, era
preciso posar durante uns segundos sem mexer-se. Joãozinho (João Vargas
d’Oliveira Jr.) que na ocasião também me visitava, aparece à esquerda; como ele
se moveu durante a foto, ficou imperfeito, mas dá para reconhecê-lo. Depois
estou eu, minha mãe (semblante triste) e Dª Grací.
Em
1977 Dª Grací me presenteou com o livro São
Bernardo. Foi quando conheci o escritor Graciliano Ramos. Não vou
referir-me ao grande autor, nem à sua obra, que certamente muitos conhecem,
porque era um dos escritores de leitura obrigatória na realização dos exames
vestibulares para a Universidade. Mas, para quem quiser, nas orelhas do livro
em questão, há informações biográficas de Graciliano... como se vê na foto
abaixo, que soma a dedicatória de Dª Grací:
Dedicatória de Grací Trény.
Várias observações que Dª Grací fez especialmente
para mim, na última página.
No mesmo ano de 1977, o piloto Tuca (Arthur
Armellini Júnior), caçula de Dª Grací, levou-me – com seu filho, o menino Régis
– a um voo panorâmico sobre Curitiba.
Tuca preparando-se para o voo.
Tuca e seu filho Régis.
Eu sentando-me no lugar do
piloto.
Eu e o garoto Régis.
No ano de 1980, Dª Grací, já casada com o francês
Maxime Trény, mudou-se para Matinhos, porque ali o clima seria melhor para a
saúde do Sr. Trény. Ela continuou lecionando numa escola local, agora não mais
francês (infelizmente o idioma caíra dos currículos escolares), mas português.
Eu e minha mãe visitamos o casal algumas vezes em
Matinhos.
Em 1980, Dª Grací com seu
segundo marido, o Sr. Maxime Trény, um homem de extraordinária cultura e
riquíssima vivência. Ele foi até ator em “pontas” de filmes na Hollywood dos
tempos áureos.
Abaixo, uma das diversas visitas que eu e minha
mãe recebemos de Dª Grací.
Uma das visitas de
Dª Grací, aqui na companhia de seu filho Tuca com a esposa Lynette.
No Natal de 2003, uma das
muitas visitas que recebi do Régis, filho do Tuca (aquele menininho que aparece
nas fotos dentro do avião do pai).
Em 2007, recebo a visita da Lúcia, filha de Dª Grací,
que é a garota que aparece na companhia da irmã Célia na primeira foto deste
texto.
Dª Grací já
não está mais entre nós. Mas vive em minhas lembranças como uma das mais
importantes pessoas da minha vida.
Quarta capa (ou contracapa) do
livro.
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https://www.youtube.com/watch?v=1eOnWcMEzA8
ResponderExcluirEntre tantas canções com sua voz cativante e suave cantou também "The boy from Ipanema"...