sábado, 16 de maio de 2020

ESPERANDO GODOT, de Samuel Beckett [ou um assunto puxa o outro: Bertolt Brecht] com comentários de F. Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.


-o-


 
Capa de ESPERANDO GODOT, de Samuel Beckett.

Comendador Francisco Souto Neto

-o-

ESPERANDO GODOT, de Samuel Beckett [ou um assunto puxa o outro] – Edição 1976.

Comentário por Francisco Souto Neto

Este é um dos meus livros prediletos de todos os tempos. Esperando Godot é uma peça do teatro do absurdo, designação criada em 1961 pelo crítico húngaro radicado na Inglaterra, Martin Esslin (1918-2002), tentando sintetizar uma definição que agrupasse as obras de dramaturgos de diversos países, as quais, apesar de serem completamente diferentes em suas formas, tinham como ponto central o tratamento inusitado de aspectos inesperados da vida humana. Essas obras estavam focadas em questões existencialistas e tentavam expressar o que acontece quando a existência humana é tida como sem sentido ou sem propósito, resultando na dissolução das comunicações.

Martin Esslin destaca como dramaturgos do teatro do absurdo: Samuel Beckett, Eugène Ionesco, Fernando Arrabal, Jean Genet, Edward Albee.

Capa de Esperando Godot.

Samuel Beckett.

Comprei este livro da coleção Teatro Vivo, edição da Abril Cultural, no ano de 1976. No ano seguinte a peça foi apresentada em Curitiba no Teatro da Reitoria, com Lélia Abramo, Eva Wilma, Lílian Lemmertz, Maria Yuma e Vera Lyma. Fui assistir à peça com meu amigo Rubens Faria Gonçalves, e ele guardou um exemplar do programa, que pode ser lido abaixo:

1ª página do programa.

2ª página do programa.

Depois, em casa, fiz a seguinte anotação neste livro:

Minha anotação em 11.9.1977.

Quando terminou a peça, encontramos no saguão do teatro, as atrizes Lélia Abramo e Maria Yuma. Como eu estava com esse livro à mão, pedi o autógrafo a ambas.

Autógrafos de Lélia Abramo e Maria Yuma.

Não fomos ao camarim, porque Eva Wilma e Lílian Lemmertz estavam muito assediadas pelos fãs. Não avistamos a atriz Vera Lyma.


Um assunto puxa o outro


Tal como eu disse no título desta matéria, “um assunto puxa o outro”. É que Lélia Abramo, atriz muito conhecida na época porque sempre atuava em novelas, em peças teatrais e em filmes de grande importância, era amiga de meu irmão Olímpio, que contracenara com ela na peça As Visões de Simone Machard, de Brecht, no Teatro Nídia Lícia em São Paulo.

Capa do programa As Visões de Simone Machard.

Olímpio atuou em algumas peças teatrais, mas desistiu da carreira de ator quando mudou-se com sua esposa para Nova York, onde passou a trabalhar em empresas de design, e fez grande sucesso no seu novo métier.

Então, ao pedir o autógrafo de Lélia Abramo, disse-lhe ser “irmão do Olímpio, que atuou com a senhora em As Visões de Simone Machard”. Ela arregalou os olhos e perguntou-me: “E como vai o Olímpio?”.

Como “um assunto puxa o outro”, vou colocar, abaixo, o programa de teatro da referida peça, mais como curiosidade para quem curte descobrir, através das fotografias dos atores, se eles tornaram-se muito famosos ou se caíram no esquecimento – como meu irmão.

Na abertura do programa está a data em que assisti à peça: 23.9.1962.

A peça As Visões de Simone Machard foi encenada no Teatro Nydia Lícia. Uma das mais importantes atrizes do Brasil, Nydia Lícia Pincherle Cardoso foi também diretora e produtora brasileira nascida na Itália numa família judaica, que se estabeleceu no Brasil quando Nydia tinha 13 anos. Nydia Lícia trabalhou com Pietro Maria Bardi, colaborando para criar o Museu de Arte de São Paulo, idealizado por Assis Chateaubriand. Sugiro ao meu leitor que procure por seu nome do Google e compreenderá a importância que essa atriz teve na cultura do nosso país.

Eu estava com apenas 18 anos quando meu irmão Olímpio me apresentou a Nydia Lícia, na ocasião em que ela expôs pinturas do meu irmão nas paredes da sala de espera do seu teatro. Também conheci a mãe de Nydia Lícia, dª Alice Schwarzkopf Pincherle, que era professora de impostação de voz. Olímpio levou-me algumas vezes às suas aulas, e eu via como era interessante aquela senhora robusta cutucar a barriga de meu irmão, dizendo-lhe severamente com seu sotaque italiano: “Ponha a voz mais aqui! Mais aqui! Aqui, aqui, aqui!”. Mãe e filha foram refugiadas do nazifascismo e sobreviventes do holocausto. O nome de Alice Pincherle deve também ser procurado no Google... e surpreenda-se com o que encontrará sobre a mãe e a filha.

Página do programa As Visões de Simone Machard, com foto e texto de Nydia Lícia, que era a dona do teatro. À esquerda, propaganda da casa Móveis Bela Vista, que era considerada a mais fina casa com móveis de estilo de São Paulo.


Divagando um pouco...


Por curiosidade, observe a propaganda à esquerda da foto acima. A casa Móveis Bela Vista, em São Paulo, vendia as lindas cadeiras Luís XVI, com folha de ouro, que conheci no apartamento de minha tia Mariinha e de minha avó Mãe Nina, e que me encantavam... Duas dessas lindas peças que contam de 60 a 70 anos, estão em minha residência.

Como um assunto puxa o outro, minha tia Mariinha em 1966, em sua residência em São Paulo, ao lado da sua cadeira Luís XVI.

Duas cadeiras, em 2020, na minha residência.

As duas cadeiras enfeitando um recanto da sala.


Os atores em As visões de Simone Machard no Teatro Nydia Lícia


Volto agora a comentar o programa de As Visões de Simone Machard. Abaixo, a relação dos personagens (e os respectivos nomes dos atores) por ordem de entrada em cena. Meu irmão fez o papel do Sr. Machard, pai de Simone. Como ele tinha na ocasião apenas 28 anos, a maquilagem para enquadrá-lo ao personagem o envelhecia uns 40 anos.

Personagens e os nomes dos atores por ordem de entrada no palco.

Miriam Mehler e Lélia Abramo, as atrizes principais.


Míriam Mehler está agora, em 2020, com 84 anos e continua atuante, mais no cinema do que no teatro. Lélia Abramo morreu em 2004, aos 93 anos. Vale a pena procurar seus nomes na Wikipédia para verificar a quantidade de peças teatrais, novelas e filmes relacionados em suas respectivas atuações.

Felipe Carone, Rubens de Falco e João José Pompeo foram atores muito importantes a seu tempo.

Meu irmão aparece na penúltima foto destas páginas. No mundo artístico, ele adotou o nome Olympio com “y”. Na verdade era “Olímpio Souto”, com “i”.

A última foto é de Alberto Águas.

Eu conheci praticamente todo o elenco desta peça, nos camarins e nas coxias, antes e após o espetáculo. Só não conheci de perto a atriz Míriam Mehler porque, ao que parece, ela era muito mal humorada. Ouvia-a gritando muito no camarim, e perguntei ao meu irmão o que estaria acontecendo. Respondeu-me que ela estava brigando com alguém, dando o seu "show" diário. 

Por curiosidade, procurei no Google pelo nome Alberto Águas, que fazia o Anjo na peça As Visões de Simone Machard, e fiquei surpreso ao descobrir como sua vida foi esquisita e dramática. Ainda mais estranho porque, na peça, ele era o Anjo. Alberto Águas morreu prematuramente em 1992.

Para facilitar, eis dois links sobre como foi a vida de Alberto Águas:



Sem dúvida, um único livro pode arrastar com ele várias histórias paralelas... e Esperando Godot é um ótimo exemplo.

-o-

Nenhum comentário:

Postar um comentário