LIVROS COM HISTÓRIAS
QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do
que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias
pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e
ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso
há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar
algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha
biblioteca.
-o-
Capa de PORTA
PARA O INFINITO, de Carlos Castañeda.
Comendador Francisco Souto Neto
-o-
PORTA PARA O INFINITO, de Carlos Castañeda
Comentário por Francisco Souto Neto
Ganhei este livro de minha
prima Terezinha Macedo, de Campo Grande, MS. Pelo meu lado materno, ela é a
prima mais especial por ser com quem sempre tive mais afinidade, do mesmo modo que, pelo lado
paterno, minha prima mais especial é Lúcia Helena Souto Martini – atualmente
reside em Paulínia, SP – que é minha coautora na biografia de nosso trisavô o
Visconde de Souto.
Terezinha com sua filha Cláudia em Veneza. Foto atual (2019).
A dedicatória de Terezinha
em Porta para o Infinito é datada de
1980. Até então eu nunca tinha lido o peruano Carlos César Salvador Arana
Castañeda (1925-1998), embora soubesse de quem se tratava. Lembrava-me de que
seus livros eram apresentados como autobiográficos.
Dedicatória de Terezinha para mim, em 13.10.1980.
A crítica em jornais e
revistas da época eram-lhe sempre favoráveis, embora a revista Time tenha feito
uma reportagem a seu respeito, declarando que muito do que ele dizia ser, não
correspondia à verdade.
Capa da revista TIME de 5 de março de 1973.
De fato, o personagem
principal, Don Juan Matus, apresentado como verdadeiro, nunca existiu, segundo
vários estudos e pesquisas posteriores à morte de Castañeda. Entretanto, basta
citarmos o mais contemporâneo Juan José Benítez, com sua saga Cavalo de Tróia, para considerarmos que
a literatura e a imaginação podem ser mais fortes do que a realidade, e que
apresentar uma ficção literária como verdadeira, pode ser simplesmente um jogo
publicitário. É lícito desde que não prejudique ninguém, algo muito diferente
das modernas “fake news” que fazem enojar o jogo político. “Fake news”, isto é,
notícias falsas usadas politicamente para ajudar a eleger um presidente, é
imoral e é crime, tal como vimos ocorrer nas eleições de 2018; criar fantasias
literárias é uma questão de criatividade, de imaginação e de talento, pois
obras mal escritas via de regra não vendem milhões.
Eu e Terezinha em 1980, na minha sala da biblioteca, na ocasião em
que dela ganhei Porta para o Infinito.
Eu e Terezinha num foto em preto e branco, de 1980, artisticamente colorizada com proposital exagero.
Mais ou menos na mesma época
eu estava muito interessado em Aldous Huxley, e tinha lido alguns de seus
livros (que serão meu próximo assunto aqui neste blog), dentre os quais As
Portas da Percepção e O Céu e o
Inferno, justamente quando se soube pela imprensa que Carlos Castañeda revelou
em livro suas experiências com um alucinógeno, a mescalina. Paralelamente esse
escritor também explorava em suas publicações o poder dos alucinógenos. Na
ocasião em que esteve no Brasil durante a ditadura militar, ele foi procurado
pela polícia e seus livros proibidos pelo Governo Federal de entrar no nosso
país, por se acreditar que incentivavam os jovens do movimento hippie ao uso de
drogas.
Aproximadamente dez anos
antes, eu já vinha me interessando pelo realismo fantástico na literatura, desde
que havia lido uma obra que estava na lista das mais importantes de então: O Despertar dos Mágicos, de Louis
Pauwels e Jacques Bergier.
Porta
para o Infinito me pareceu uma admirável, mas ficcional,
iniciação aos mistérios da feitiçaria. Talvez fosse melhor dizer “o prosseguimento de uma admirável iniciação”,
porque seus livros anteriores a este que estou comentando é que deram início às
referências ao personagem Don Juan. Entretanto, a interessante introdução a
Castañeda me foi proporcionada pela Terezinha há já muito tempo: exatos
quarenta anos. Eu tinha apenas 35 de idade.
Segundo registros, Castañeda
havia lido o livro de Aldous Huxley As
Portas da Percepção, em que celebrava os efeitos psicotrópicos da
mescalina, que era usada de forma ritual por vários povos indígenas americanos.
Castañeda chegou a escrever um pequeno ensaio sobre esse livro de Huxley. O
escritor peruano, então, pesquisou o tema das plantas medicinais em vários
livros e partiu para o trabalho de campo no sudoeste da Califórnia.
Aos poucos, Castañeda foi sendo posto ao encontro de experiências
cognitivas que desafiavam o poder de lógica de sua razão. A Erva do Diabo,
seu primeiro livro, também tese de mestrado, em seu princípio, era considerada
uma obra de cunho científico.
Eu li este livro há mais ou menos uns 40 anos, já não me recordo dos
detalhes, mas lembro-me de tê-lo julgado curioso e instigante, uma interessante
lembrança da minha prima Terezinha Macedo.
-o-