terça-feira, 14 de julho de 2020

MOEDAS DE LUZ, de Sylvio Back. O lançamento do livro e o desentendimento de Francisco Souto Neto com um dos diretores do Banestado.

LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de MOEDAS DE LUZ, de Sylvio Back.

 
Comendador Francisco Souto Neto

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MOEDAS DE LUZ, de Sylvio Back.

 
O autor Sylvio Back


Durante os muitos anos em que, como funcionário de carreira, exerci o cargo de Assessor para Assuntos de Cultura da presidência do Banestado, somente três autores foram diretamente autorizados pelo presidente a fazer o lançamento de livros na Galeria de Arte Banestado sem antes passar pelo meu crivo. Este livro de Sylvio Back foi um deles. A propósito, Moedas de Luz nem mesmo recebeu o apoio do Banestado através da Lei Rouanet, pois ele foi impresso pela Editora Max Limonad, de São Paulo. O presidente Carlos Antonio de Almeida Ferreira simplesmente me informou que queria lançar um livro de Sylvio Back na nossa galeria de arte e pediu-me adequar a cerimônia de lançamento a alguma data disponível. Apesar de que Dr. Almeida – como o chamávamos – fosse um homem de grande cultura, eu sempre tive o temor de que algum lançamento de livro, ou mesmo de alguma exposição de artes plásticas, pudessem ser impostos por critério político, sem atenção ao grau de excelência que se esperava de todos os lançamentos feitos pela Galeria de Arte (depois Espaço Cultural) Banestado... mas isto, felizmente, nunca aconteceu.

Por sorte, Sylvio Back era – e é – um dos mais importantes cineastas do país. Dentre os ótimos filmes que dirigiu, eu ressalto o meu predileto, Lance Maior, de 1968, dentre outras dezenas de ótimos filmes, incluindo-se curtas e médias-metragens, e documentários. Além de respeitado cineasta, Back é poeta, escritor, jornalista, roteirista e produtor.

O filme Lance Maior

Fiz o lançamento sem conhecer o conteúdo do livro. Depois, em casa, li a obra e gostei muito. Moedas de Luz, sem prefácio, começa com um introito contendo curtos versos de Sérgio Rubens Sosséla, Alice Ruiz e Paulo Leminski – intelectuais do mais alto gabarito literário.

Logo percebi que a essência dos poemas versava sobre Mara e a finitude humana.  E Mara, segundo minha percepção, seria a pessoa amada; a esposa ou a namorada que faleceu, deixando o espírito do poeta aturdido, com aquele desalento que todos, infelizmente, conhecemos por experiência própria  em situações semelhantes.

O livro, entretanto, em versos livres, é uma intensa e forte obra poética e nos dá a uma reflexão sobre a vida e a morte. É composto de versos poéticos corajosos. Impactante no seu tema, a obra é ousada também na forma, como realmente deve ser concebida a poesia contemporânea. A capa do livro, de Mariza Dias Costa – igualmente responsável pelas ilustrações encontradas ao final de cada um dos sete capítulos – mostra um rosto de mulher com um ríctus nitidamente angustiado. Ao final deste artigo colocarei apenas algumas páginas escaneadas de Moedas de Luz, para que meus leitores possam conhecer um pouco destes versos de Sylvio Back e sentir o impacto dos mesmos. 

A noite de autógrafos foi um sucesso, com o comparecimento massivo do universo intelectual paranaense.

O que eu não podia imaginar é que o lançamento desse livro me causaria um incidente muito desagradável com um dos diretores do Banestado.


O incidente do conteúdo do livro com um diretor do Banestado


Dois ou três dias após o lançamento de Moedas de Luz, um dos diretores do banco chamou-me ao seu gabinete. Estranhei um pouco esse chamado, porque somente o presidente, e mesmo assim muito ocasionalmente, chamava por mim à sua presença. Não me recordo do nome desse diretor – foram muitas dezenas deles, do banco e das empresas conglomeradas, ao longo de décadas – e estou dizendo isso com toda sinceridade.

Entrei no gabinete do diretor, e ele começou a bradar, o dedo em riste. Perguntava-me, muito irritado, “como é que o Banestado podia ter feito o lançamento de um livro que execrava Curitiba”. Fiquei por um momento confuso, sem entender a questão. Ele prosseguiu: “É o livro que xinga o povo de Curitiba, que você promoveu na ‘nossa’ galeria!”. Entendi que ele se referia a Moedas de Luz. Como esse diretor não comparecera à noite de autógrafos, certamente um de seus assessores que lá estiveram, leu um ou apenas alguns versos do livro, não gostou e não percebeu o seu contexto, nem a totalidade do livro. Então apressei-me em explicar ao enfurecido diretor, que se tratava de uma obra poética de um autor muito respeitado no mundo cultural do Paraná. Mas nada amansava o homem. Num flash de memória, lembrei-me de que nas referências de Sylvio a Mara, havia esta página:

Página 91 de Moedas de Luz.

E então tentei explicar ao tosco diretor, que talvez ele estivesse se referindo ao capítulo que versa sobre o “Diário de Mara”, que não eram literalmente palavras do poeta, mas de sua amada que, doente, sofrendo, talvez vendo-se em sua finitude, não conseguisse encontrar palavras que pudessem confortar a si própria; além disso, os curitibanos que ela conhecia talvez não fossem como aqueles que nós conhecemos...” Mas imediatamente senti-me um idiota tentando explicar ao diretor algo que não deve ser explicado, mas apenas sentido: a poesia. O diretor continuava esbravejando, o que considerei uma falta de respeito para comigo e para com o autor e seu livro precioso.

Levantei as duas mãos em sinal de “acalme-se, e disse-lhe: “Quem mandou realizar a noite de autógrafos na ‘nossa’ galeria de arte foi o presidente do Banco. É a ele que o senhor deve reclamar. e pedir explicações. Com licença”, e me retirei.

Fui logo me encontrar com o presidente e relatei-lhe o ocorrido. Dr. Almeida deu-me um sorriso de cumplicidade e disse-me algo mais ou menos como “poesia não é para qualquer um”. 

Depois desse episódio, lembrei-me de um lapso de conversa que, um ou dois meses antes, eu ouvi num dos ambientes da diretoria do Banestado. Aconteceu assim: eu saí da sala do presidente e desci para o andar térreo pela escadaria monumental que ali existia. Logo após o último degrau do térreo, três diretores conversavam. Um deles era “aquele” diretor. Ele estava de costas para mim e não me viu, mas quando passei por trás dele, ouvi nitidamente este momento da conversa: “...e, além disso, eu acho que os assessores estão aparecendo demais...”. Eu senti, naquele instante, que ele se referia a mim. Incrível que isso tenha ocorrido no exato momento em que passei por ali, nem um segundo antes, nem depois. Pensei, meio constrangido: “apareço muito na imprensa; será que isto está causando alguma ciumeira nos diretores que pouco aparecem?!”. É que, como eu era o responsável pelo Programa de Cultura do banco oficial do Paraná, costumava estar presente a inúmeros acontecimentos culturais, e sempre era fotografado. Além disso, eu tinha uma coluna publicada em dois jornais e uma revista, era conselheiro do “Sistema Paranaense de Museus” e tinha um programa aos sábados na Rádio Estadual. À noite, em casa, fui olhar os recortes que eu guardava, de jornais e revistas que me mencionavam... e eram muitos. Quando chegamos ao fim daquele ano de 1988, vi que colecionei o impressionante número de 219 recortes de jornais que se referiram às minhas atividades profissionais e sociais. Nestes 219 recortes, encontrei publicadas 132 fotografias minhas, sozinho ou com outras pessoas. Passados 32 anos desses acontecimentos, agora em 2020, sinto-me surpreso ao constatar que essas minhas atividades eram realmente intensas, e que a imprensa as valorizava.

Aquele diretor que disse que “os assessores estavam aparecendo demais”, talvez pensasse que encontraria no lançamento de Moedas de Luz algo que pudesse desabonar ou diminuir minha atuação como assessor, mas felizmente o tiro lhe saiu pela culatra.

Aos amigos que quiserem ver a realidade de mais de cem fotografias publicadas pela imprensa envolvendo meu trabalho e atividades sociais durante o ano de 1988, encontrarão todas elas no site abaixo:

 Capa de Moedas de Luz.

Dedicatória de Sylvio Back na primeira página, para Souto Neto.

Apresentam o livro: Sérgio Rubens Sossélla, Alice Ruiz e Paulo Leminski.

Contracapa (ou 4ª capa) de Moedas de Luz.

 Sylvio Back autografando para Francisco Souto Neto. Foto de Alice Varajão.

 Sylvio Back autografando para Francisco Souto Neto. Foto de Alice Varajão.

 Um dos recortes de jornal com Sylvio Back autografando para Souto Neto.

Abaixo, algumas das quase 200 páginas de poemas em Moedas de Luz:















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