quarta-feira, 22 de julho de 2020

DIÁLOGOS de PLATÃO com APOLOGIA DE SÓCRATES. Comentários de Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de DIÁLOGOS de PLATÃO com APOLOGIA DE SÓCRATES.


Comendador Francisco Souto Neto

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DIÁLOGOS de PLATÃO 
com APOLOGIA DE SÓCRATES


Platão


Os escritos filosóficos na Grécia de séculos antes de Cristo eram feitos na forma de poemas didáticos ou tratados. O autor deste livro, Platão, foi um dos mais importantes filósofos gregos, e discípulo de Sócrates. Neste livro, no capítulo da Apologia de Sócrates, Platão não usou versos, mas prosa, para fazer um elogio, um enaltecimento, em defesa da memória de Sócrates, que foi condenado à morte.


Capa do livro encadernado com gravação a ouro em 1968.

Comprei este livro nos final da década de 60, quando ainda morava na Rua Paula Xavier nº 1446, em Ponta Grossa. Li totalmente só a Apologia de Sócrates; os demais capítulos (Diálogos), li-os parcialmente. Eles envolvem Critão, Laquete, Cármides, Líside, Eutífrone, Protágoras e Górgias.

Cabeça de Sócrates no Museu do Louvre.


Sócrates
  

A vida de Sócrates foi interessante! “Conta-se que, um dia, Sócrates foi levado junto à sua mãe para ajudar em um parto complicado. Vendo sua mãe realizar o trabalho, Sócrates logo filosofou: ‘Minha mãe não irá criar o bebê, apenas ajudá-lo-á a nascer e tentará diminuir a dor do parto. Ao mesmo tempo, se ela não tirar o bebê, logo ele irá morrer, e igualmente a mãe morrerá!’. Sócrates concluiu, então, que, de certa forma, ele também era um parteiro. O conhecimento, pensou ele, está dentro das pessoas, que são capazes de aprender por si mesmas. ‘Porém, eu posso ajudar no nascimento deste conhecimento’ concluiu ele”. Por isso, até hoje os ensinamentos de Sócrates são conhecidos por maiêutica, que em grego significa parteira.

Estátuas de Platão e Sócrates ladeando a escadaria da Academia de Atenas.

Pude entender mais um pouco mais da maiêutica, através do livro que há alguns anos ganhei de Celso de Macedo Portugal (formado em Filosofia e Direito), meu colega da Academia de Letras José de Alencar, autor de O Direito e a Maiêutica.

No Palacete dos Leões, sede da Academia de Letras José de Alencar, os membros do sodalício. À direita, de blusa vermelha, Celso de Macedo Portugal, autor de O Direito e a Maiêutica. A partir da esquerda, os confrades Dione Mara Souto da Rosa, Francisco Souto Neto, João Carlos Cascaes, Anita Zippin, Rubens Faria Gonçalves, Tânia Rosa Ferreira Cascaes, Hamilton Bonat e o já mencionado Celso Portugal.

Então a partir daí, Sócrates seguiu sua vocação e foi aprender filosofia com os mestres Anaxágoras e Arquelau. O seu talento cresceu tanto, que depois de alguns anos a pitonisa do Templo de Apolo, na cidade sagrada de Delfos, declarou que Sócrates era “o mais sábio de todos os homens!”. E Sócrates tornou-se professor, o mais respeitado e admirado filósofo da Grécia.

Sócrates e seus alunos, de Johann Friedrich Greuter (obra datada do século XVII).

A prisão de Sócrates

As ideias de Sócrates foram se espalhando e ele ganhando cada vez mais discípulos. O filósofo ensinava que para se acreditar em algo, era preciso verificar se aquilo era realmente verdade. E com isso foi ganhando inimigos que preferiam espalhar mentiras dos políticos seus parceiros, sem que ninguém pusesse as questões em dúvida. Isso me reporta à atual realidade brasileira: filhos do presidente da República, péssimos políticos que têm centrais de divulgação de fake news (mentiras) contra seus opositores, e fazem tudo o que podem e o que não podem para não serem investigados pela Justiça. Como se vê, políticos mentirosos e corruptos existiam na antiga Grécia séculos antes de Cristo, continuam existindo no mundo atual e lamentavelmente o Brasil não é exceção.

Foi então que estourou a Guerra do Peloponeso. Todos os homens entre 15 e 45 anos foram mandados à luta. E Sócrates, por ser convincente para fazer as pessoas o seguirem, foi escolhido para o cargo de general.

Durante as guerras gregas, uma lei obrigava a que os soldados enterrassem aqueles que morriam. E ao fim de uma das batalhas do Peloponeso, para evitar que os poucos soldados ainda vivos fossem também mortos, o general Sócrates tomou uma decisão: que eles deixassem os mortos no campo de batalha sem enterrá-los, e voltassem rapidamente a Atenas, para que não fossem igualmente executados pelos inimigos. E por causa disto, mesmo salvando uma parte de seus soldados, Sócrates foi preso.

Usando toda a sua capacidade de persuasão, Sócrates consegue convencer a todos de que era melhor deixar alguns mortos do que morrerem todos, uma vez que se todos morressem, ninguém poderia enterrá-los. Desta forma, ele conseguiu a liberdade.

Entretanto, Sócrates continuou sendo perseguido durante anos pelos poderosos, porque ensinava seus discípulos a pensar e não simplesmente a permanecerem no rebanho contra a sua vontade.

Então Sócrates foi preso acusado de três crimes: não acreditar nos costumes e nos deuses gregos, unir-se a deuses maus que gostavam de destruir as cidades, e corromper os jovens com suas ideias inovadoras. Os inimigos do pensamento livre e filosófico condenaram-no.

Sobre a condenação de Sócrates, Jean Brun escreveu: "O processo e a condenação de Sócrates testemunham o perigo que a ignorância faz correr ao saber, que o mal faz correr à virtude. Mas este perigo não é senão aparente, pois, na realidade, é o justo que triunfa dos seus carrascos. Se bem que seja vítima deles, o triunfo de Sócrates sobre os seus juízes data do dia da sua execução”. Isso me faz pensar mais uma  vez na História do Brasil, no impeachment de Dilma Roussef, que foi condenada pelas chamadas “pedaladas fiscais”, porém sem a ocorrência de crime de responsabilidade, tanto que não foi cassada em seus direitos políticos. Dois dias após o impeachment, o Congresso Nacional aprovou lei que beneficiou o governo Michel Temer e tornou as “pedaladas fiscais”, que consideravam crime, em procedimento legal e agora permitido aos presidentes posteriores a Rousseff. O antigo e respeitado Jornal do Brasil, em 3 de setembro de 2016 publicou análise de Ricardo Lodi: “O Congresso Nacional, que nunca considerou as condutas supostamente praticadas pela presidente Dilma como ilícitas, encerrado o processo de impeachment, passou a considerar tal conduta como absolutamente legitimada. Ou seja, o que até ontem consideravam crime, hoje é uma conduta admitida. Isso confirma o que eu disse no sábado no Senado. A conduta  de Dilma Rousseff não era ilícita antes e nem seria depois. Foi considerada crime somente para a aprovação do impeachment. Não tiveram nem o pudor de disfarçar".  Foi, sem dúvida, um dos episódios mais ridículos e deprimentes da História do Brasil. Julgamentos injustos têm ocorrido através dos milênios e aqueles que pensam de maneira diferente do oviário sofrem perseguições e condenações.

A morte de Sócrates

Os juízes deram-lhe escolher: ou ser exilado, ou ser cortada a sua língua. Se recusasse a uma das opções, seria condenado à morte. A resposta de Sócrates foi:Vocês me deixam a escolha entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder passar meus conhecimentos adiante. A outra, que eu não conheço, que é a morte ... escolho pois o desconhecido!”.

A execução (suicídio) de Sócrates por cicuta. Tela de David.

Platão, em outro livro – Fédon – assim descreve a morte de seu mestre:

“Depois de assim falar, levou a taça aos lábios e, com toda a naturalidade, sem vacilar um nada, bebeu até à última gota.
Até esse momento, quase todos tínhamos conseguido reter as lágrimas; porém quando o vimos beber, e que havia bebido tudo, ninguém mais aguentou. Eu também não me contive: chorei à lágrima viva. Cobrindo a cabeça, lastimei o meu infortúnio; sim, não era por desgraça que eu chorava, mas a minha própria sorte, por ver de que espécie de amigo me veria privado. Critão levantou-se antes de mim, por não poder reter as lágrimas. Apolodoro, que, desde o começo, não havia parado de chorar, pôs-se a urrar, comovendo, seu pranto e lamentações, até o íntimo de todos os presentes, com exceção do próprio Sócrates.
- Que é isso, gente incompreensível? Perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro. Acalmai-vos! Sede homens!
Ouvindo-o falar dessa maneira, sentimo-nos envergonhados e paramos de chorar. E ele, sem deixar de andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de costas, como recomendara o homem do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe os pés e as pernas. Depois, apertando com mais força os pés, perguntou se sentia alguma coisa. Respondeu que não. De seguida, sem deixar de comprimir-lhe a perna, do artelho para cima, mostrou-nos que começava a ficar frio e a enrijecer. Apalpando-o mais uma vez, declarou-nos que no momento em que aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já se lhe tinha esfriado quase todo o baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto – pois o havia tapado antes – disse, e foram suas últimas palavras:
- Critão (exclamou ele), devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!
‘Assim farei!’, respondeu Critão. Vê se queres dizer mais alguma coisa. A essa pergunta, já não respondeu. Decorrido mais algum tempo, deu um estremeção. O homem o descobriu; tinha o olhar parado. Percebendo isso, Critão fechou-lhe os olhos e a boca.
Tal foi o fim do nosso amigo, do homem, podemos afirmá-lo, que entre todos os que nos foi dado conhecer, era o melhor e também o mais sábio e mais justo”.

O julgamento e a execução de Sócrates são eventos centrais da obra de Platão. Sócrates admitiu que poderia ter evitado sua condenação a morte, bebendo antes a cicuta, se tivesse desistido da vida justa. Mesmo depois de sua condenação, ele poderia ter evitado sua morte se tivesse escapado com a ajuda de amigos.

Platão considerou que Sócrates foi condenado por questões evidentemente políticas.

Comentei bem superficialmente essa obra de Platão, que é de enorme importância. E, sinceramente, me faltaria profundidade para intentar algo de tal magnitude. Além disso, li a Apologia de Sócrates há quase 60 anos. Fiz alusão apenas à figura de Sócrates, sem referência aos restantes filósofos que integram a obra.

Francisco Souto Neto com seu exemplar de  Diálogos de Platão, em 22.7.2020, durante a grande pandemia nos anos 20 do século XXI.

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