LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode
conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode
ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido
emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter
sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog
pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados
exemplares da minha biblioteca.
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Capa de DIÁLOGOS de PLATÃO com APOLOGIA DE
SÓCRATES.
Comendador Francisco Souto Neto
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DIÁLOGOS de PLATÃO
com APOLOGIA DE SÓCRATES
com APOLOGIA DE SÓCRATES
Platão
Os escritos filosóficos na Grécia de séculos antes de Cristo eram feitos
na forma de poemas didáticos ou tratados. O autor deste livro, Platão, foi um
dos mais importantes filósofos gregos, e discípulo de Sócrates. Neste livro, no
capítulo da Apologia de Sócrates,
Platão não usou versos, mas prosa, para fazer um elogio, um enaltecimento, em
defesa da memória de Sócrates, que foi condenado à morte.
Capa do livro encadernado com gravação a ouro em 1968.
Comprei este livro nos final da década de 60, quando ainda morava na Rua
Paula Xavier nº 1446, em Ponta Grossa. Li totalmente só a Apologia de Sócrates; os demais capítulos (Diálogos), li-os parcialmente. Eles envolvem Critão, Laquete,
Cármides, Líside, Eutífrone, Protágoras e Górgias.
Cabeça de Sócrates no Museu do Louvre.
Sócrates
A vida de Sócrates foi interessante! “Conta-se que, um dia, Sócrates foi
levado junto à sua mãe para ajudar em um parto complicado. Vendo sua mãe
realizar o trabalho, Sócrates logo filosofou: ‘Minha mãe não irá criar o bebê,
apenas ajudá-lo-á a nascer e tentará diminuir a dor do parto. Ao mesmo tempo,
se ela não tirar o bebê, logo ele irá morrer, e igualmente a mãe morrerá!’. Sócrates
concluiu, então, que, de certa forma, ele também era um parteiro. O conhecimento,
pensou ele, está dentro das pessoas, que são capazes de aprender por si mesmas.
‘Porém, eu posso ajudar no nascimento deste conhecimento’ concluiu ele”. Por
isso, até hoje os ensinamentos de Sócrates são conhecidos por maiêutica, que em
grego significa parteira.
Estátuas de Platão e Sócrates ladeando a escadaria
da Academia de Atenas.
Pude entender mais um pouco mais da maiêutica, através do livro que há
alguns anos ganhei de Celso de Macedo Portugal (formado em Filosofia e
Direito), meu colega da Academia de Letras José de Alencar, autor de O Direito e a Maiêutica.
No Palacete dos Leões, sede da Academia de Letras
José de Alencar, os membros do sodalício. À direita, de blusa vermelha, Celso
de Macedo Portugal, autor de O Direito e
a Maiêutica. A partir da esquerda, os confrades Dione Mara Souto da Rosa,
Francisco Souto Neto, João Carlos Cascaes, Anita Zippin, Rubens Faria
Gonçalves, Tânia Rosa Ferreira Cascaes, Hamilton Bonat e o já mencionado Celso
Portugal.
Então a partir daí, Sócrates seguiu sua vocação e foi aprender filosofia
com os mestres Anaxágoras e Arquelau. O seu talento cresceu tanto, que depois
de alguns anos a pitonisa do Templo de Apolo, na cidade sagrada de Delfos,
declarou que Sócrates era “o mais sábio de todos os homens!”. E Sócrates
tornou-se professor, o mais respeitado e admirado filósofo da Grécia.
Sócrates e seus alunos, de Johann Friedrich Greuter
(obra datada do século XVII).
A prisão de Sócrates
As ideias de Sócrates foram se espalhando e ele ganhando cada vez
mais discípulos. O filósofo ensinava que para se acreditar em algo, era preciso
verificar se aquilo era realmente verdade. E com isso foi ganhando inimigos que
preferiam espalhar mentiras dos políticos seus parceiros, sem que ninguém
pusesse as questões em dúvida. Isso me reporta à atual realidade brasileira:
filhos do presidente da República, péssimos políticos que têm centrais de
divulgação de fake news (mentiras) contra
seus opositores, e fazem tudo o que podem e o que não podem para não serem
investigados pela Justiça. Como se vê, políticos mentirosos e corruptos
existiam na antiga Grécia séculos antes de Cristo, continuam existindo no mundo
atual e lamentavelmente o Brasil não é exceção.
Foi então que estourou a Guerra do Peloponeso. Todos os homens entre 15
e 45 anos foram mandados à luta. E Sócrates, por ser convincente para fazer as
pessoas o seguirem, foi escolhido para o cargo de general.
Durante as guerras gregas, uma lei obrigava a que os soldados
enterrassem aqueles que morriam. E ao fim de uma das batalhas do Peloponeso, para
evitar que os poucos soldados ainda vivos fossem também mortos, o general
Sócrates tomou uma decisão: que eles deixassem os mortos no campo de batalha
sem enterrá-los, e voltassem rapidamente a Atenas, para que não fossem igualmente
executados pelos inimigos. E por causa disto, mesmo salvando uma parte de seus
soldados, Sócrates foi preso.
Usando toda a sua capacidade de persuasão, Sócrates consegue convencer a
todos de que era melhor deixar alguns mortos do que morrerem todos, uma vez que
se todos morressem, ninguém poderia enterrá-los. Desta forma, ele conseguiu a
liberdade.
Entretanto, Sócrates continuou sendo perseguido durante anos pelos
poderosos, porque ensinava seus discípulos a pensar e não simplesmente a permanecerem
no rebanho contra a sua vontade.
Então Sócrates foi preso acusado de três crimes: não acreditar nos
costumes e nos deuses gregos, unir-se a deuses maus que gostavam de destruir as
cidades, e corromper os jovens com suas ideias inovadoras. Os inimigos do
pensamento livre e filosófico condenaram-no.
Sobre a condenação de Sócrates, Jean Brun escreveu: "O processo
e a condenação de Sócrates testemunham o perigo que a ignorância faz correr ao
saber, que o mal faz correr à virtude. Mas este perigo não é senão aparente,
pois, na realidade, é o justo que triunfa dos seus carrascos. Se bem que seja
vítima deles, o triunfo de Sócrates sobre os seus juízes data do dia da sua
execução”. Isso me faz pensar mais
uma vez na História do Brasil, no impeachment
de Dilma Roussef, que foi condenada pelas chamadas “pedaladas fiscais”, porém sem
a ocorrência de crime de responsabilidade, tanto que não foi cassada em seus
direitos políticos. Dois dias após o impeachment, o Congresso Nacional
aprovou lei que beneficiou o governo Michel Temer e tornou as “pedaladas
fiscais”, que consideravam crime, em procedimento legal e agora permitido aos presidentes
posteriores a Rousseff. O antigo e respeitado Jornal do Brasil, em 3 de
setembro de 2016 publicou análise de Ricardo Lodi: “O Congresso Nacional,
que nunca considerou as condutas supostamente praticadas pela presidente Dilma
como ilícitas, encerrado o processo de impeachment, passou a
considerar tal conduta como absolutamente legitimada. Ou seja, o que até
ontem consideravam crime, hoje é uma conduta admitida. Isso confirma o que
eu disse no sábado no Senado. A conduta de Dilma Rousseff não era ilícita
antes e nem seria depois. Foi considerada crime somente para a aprovação
do impeachment. Não tiveram nem o pudor de disfarçar". Foi, sem dúvida, um dos episódios mais
ridículos e deprimentes da História do Brasil. Julgamentos injustos têm ocorrido
através dos milênios e aqueles que pensam de maneira diferente do oviário
sofrem perseguições e condenações.
A morte de Sócrates
Os juízes deram-lhe escolher: ou ser exilado,
ou ser cortada a sua língua. Se recusasse a uma das opções, seria condenado à
morte. A resposta de Sócrates foi: “Vocês me deixam a
escolha entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder
passar meus conhecimentos adiante. A outra, que eu não conheço, que é a morte
... escolho pois o desconhecido!”.
A execução (suicídio) de
Sócrates por cicuta. Tela de David.
Platão, em outro livro – Fédon – assim descreve a morte de seu
mestre:
“Depois de assim
falar, levou a taça aos lábios e, com toda a naturalidade, sem vacilar um nada,
bebeu até à última gota.
Até esse momento,
quase todos tínhamos conseguido reter as lágrimas; porém quando o vimos beber,
e que havia bebido tudo, ninguém mais aguentou. Eu também não me contive:
chorei à lágrima viva. Cobrindo a cabeça, lastimei o meu infortúnio; sim, não
era por desgraça que eu chorava, mas a minha própria sorte, por ver de que
espécie de amigo me veria privado. Critão levantou-se antes de mim, por não
poder reter as lágrimas. Apolodoro, que, desde o começo, não havia parado de
chorar, pôs-se a urrar, comovendo, seu pranto e lamentações, até o íntimo de
todos os presentes, com exceção do próprio Sócrates.
- Que é isso, gente
incompreensível? Perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses
exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro.
Acalmai-vos! Sede homens!
Ouvindo-o falar
dessa maneira, sentimo-nos envergonhados e paramos de chorar. E ele, sem deixar
de andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de costas, como recomendara o
homem do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe os pés e as pernas. Depois,
apertando com mais força os pés, perguntou se sentia alguma coisa. Respondeu
que não. De seguida, sem deixar de comprimir-lhe a perna, do artelho para cima,
mostrou-nos que começava a ficar frio e a enrijecer. Apalpando-o mais uma vez,
declarou-nos que no momento em que aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já
se lhe tinha esfriado quase todo o baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto –
pois o havia tapado antes – disse, e foram suas últimas palavras:
- Critão (exclamou
ele), devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!
‘Assim farei!’,
respondeu Critão. Vê se queres dizer mais alguma coisa. A essa pergunta, já não
respondeu. Decorrido mais algum tempo, deu um estremeção. O homem o descobriu;
tinha o olhar parado. Percebendo isso, Critão fechou-lhe os olhos e a boca.
Tal foi o fim do
nosso amigo, do homem, podemos afirmá-lo, que entre todos os que nos foi dado
conhecer, era o melhor e também o mais sábio e mais justo”.
O julgamento e a execução de Sócrates são eventos centrais da obra de Platão.
Sócrates admitiu que poderia ter evitado sua condenação a morte, bebendo antes
a cicuta, se tivesse desistido da vida justa. Mesmo depois de sua condenação,
ele poderia ter evitado sua morte se tivesse escapado com a ajuda de amigos.
Platão considerou que Sócrates foi condenado por questões evidentemente
políticas.
Comentei bem superficialmente essa obra de Platão, que é de enorme
importância. E, sinceramente, me faltaria profundidade para intentar algo de
tal magnitude. Além disso, li a Apologia de Sócrates há quase 60 anos.
Fiz alusão apenas à figura de Sócrates, sem referência aos restantes filósofos
que integram a obra.
Francisco Souto Neto com seu exemplar de Diálogos
de Platão, em 22.7.2020, durante a grande pandemia nos anos 20 do século
XXI.
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