LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode
conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar
pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter
sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por
ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog
pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados
exemplares da minha biblioteca.
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Capa de BALAIO DE BUGRE, de Hélio
Serejo (edição 1964).
Comendador Francisco Souto Neto
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BALAIO DE BUGRE, de Hélio Serejo.
Comentário por Francisco Souto Neto
Hélio Serejo em 1976. Foto de F.
Souto Neto.
O escritor, jornalista e folclorista
Hélio Serejo (1912 – 2007) era casado com Henriqueta Barbosa Martins, prima de
minha mãe. Lembro-me do casal na época em que residiram em Presidente
Venceslau, SP, cidade onde nasci em 1943 e lá ficamos até 1948, quando nos
mudamos para Ponta Grossa, PR, onde fixamos residência até 1952. Após termos vivido em 1953 em Campo Grande, MS, voltamos
a morar em Presidente Venceslau nos anos de 1954 e 1955 – são deste período
minhas lembranças da família Serejo. Em dezembro de 1955 retornávamos a Ponta
Grossa.
No ano do meu nascimento, meu pai
Arary Souto era o tesoureiro da prefeitura municipal e em 1946 ou 1947 ele foi,
durante curto período, prefeito do município em condições excepcionais, como
ele próprio justificava, “um cargo público que me foi imposto pela guerra”.
Quando minha família mudou-se para
Ponta Grossa, deixou amigos e também parentes em Presidente Venceslau. Dentre
os parentes, meu Tio Hélio Serejo. Ele era nosso parente por ter se casado com
uma prima de minha mãe, como disse acima. O casal teve duas filhas, Nahara
Tatiana Serejo de Carvalho e Helita Barbosa Serejo Fontão. Naquele tempo,
contudo, era comum que as crianças tratassem os primos mais velhos, já casados
e da geração anterior, por “tios”. Assim, eu e meus irmãos os chamávamos de “Tio Hélio” e “Tia Queta”.
A
luta pela construção de uma ponte ligando SP a MS
Na década de 50, Hélio Serejo, já
respeitado e conhecido escritor, deu início a uma grande campanha em prol da
construção de uma ponte sobre o Rio Paraná, ligando Presidente Epitácio, em São
Paulo, a Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul). Moveu incontáveis obstáculos e
conseguiu importantes apoios para que sua idealização se transformasse em
realidade... e o conseguiu. Arary Souto, meu pai, jornalista e intelectual,
ajudou o primo a conscientizar as autoridades da necessidade da ponte
rodoviária ligando dois Estados da Federação. Entre São Paulo e Mato Grosso
havia então uma única ponte sobre o Rio Paraná, mas que era somente
ferroviária.
Hélio Serejo no jardim de sua casa em 1976, com Francisco Souto Neto.
Hélio Serejo no jardim de sua casa em
1976, com Francisco Souto Neto.
Visita a Hélio Serejo em 1976 e 1992
No ano de 1976 viajei a Presidente Venceslau com minha irmã Ivone e seu marido Dulci, para
visitarmos parentes e amigos de quando lá residimos por duas ocasiões. As fotos
abaixo são dessa viagem, quando estendemos o passeio à cidade vizinha de Porto
Epitácio para visitarmos a ponte idealizada por Tio Hélio, que contou com a
colaboração de meu pai.
O filme dessa nossa viagem a
Presidente Venceslau e à ponte em Presidente Epitácio tem menos de 5 minutos de
duração e poderá ser visto no seguinte link:
Abaixo, algumas das fotografias
tiradas durante a viagem a Presidente Venceslau e a Presidente Epitácio (ou
Porto Epitácio):
FOTO 1 – Em 1976, Ivone Souto da Rosa
e Dulci Col da Rosa (irmã e cunhado de Francisco Souto Neto) em Porto Epitácio,
onde foram ver a Ponte Maurício Joppert.
FOTO 2 – Ponte Maurício
Joppert, em 1976. Ao ser inaugurada, era a segunda maior do Brasil, ligando os
Estados de São Paulo e Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul). O nome da ponte
foi formalmente alterado em 2014 e hoje chama-se, com justiça, Ponte Hélio
Serejo.
FOTO 3 – Em Presidente Venceslau,
Francisco Souto Neto com o médico obstetra de sua mãe, Dr. Mendes, pelas mãos
de quem ele nasceu.
FOTO 4 – A casa onde nasceu Francisco
Souto Neto cujas janelas em 1943 eram adornadas de floreiras com gerânios
vermelhos. Souto nasceu no quarto da janela do lado direito, meio encoberta
pela árvore.
FOTO 5 – Francisco Souto
Neto conversando com seu tio Hélio Serejo, no seu escritório em
Presidente Venceslau.
FOTO 6 – Hélio Serejo
entre Francisco Souto Neto e Ivone Souto da Rosa em 1976.
Adiante, algumas fotografias de
Hélio Serejo por ocasião da viagem de 1992.
Edith Barbosa Souto com Hélio Serejo e Nahara Tatiana Serejo de Carvalho, a primeira filha de Hélio e Queta, em 1992.
Edith Souto e Tatiana.
Tatiana Serejo de
Carvalho
Hélio Serejo em 1992, em foto de Francisco Souto Neto.
Hélio Serejo em 1992, em
foto de Francisco Souto Neto.
Francisco Souto Neto com
Helita Serejo Fontão, segunda filha de Hélio e Queta.
A Ponte Hélio Serejo
Somente em 10 de
abril de 2014, através da Lei nº 12.610, a gigantesca ponte sobre o Rio Paraná,
ligando os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, passou a ser oficialmente
denominada “Ponte Hélio Serejo”. Embora tardia, fez-se justiça!
Abaixo, fotografias
da Ponte Hélio Serejo. São fotos que tirei da tela do meu computador, graças
aos prodígios do Google Earth.
A ponte no sentido São Paulo – Mato Grosso do Sul
A Ponte Hélio Serejo no Google Maps, ligando os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
O início da travessia. A placa indica o nome da ponte.
A placa identificadora.
A ponte é tão extensa que quase não se
avista a outra margem.
A ponte no sentido Mato Grosso do Sul – São Paulo
A placa indica que a ponte tem mais de dois quilômetros e meio de extensão.
Ponte Hélio Serejo.
Divisa dos Estados.
Os
livros de Hélio Serejo
Hélio Serejo escreveu e publicou mais
ou menos 60 livros, dos quais eu tenho aproximadamente uns 30. Escolhi para
figurar neste blog o Balaio de Bugre. Quando de minha visita
ao escritor em 1992, ele contou-me que estava prestes a lançar uma nova edição
do referido livro, com alguns acréscimos. Entretanto, escolhi este livro porque
nele Hélio Serejo publicou um artigo da autoria de meu pai, que era muito amigo do
intelectual indianista Faris Antônio Salomão Michaele que, como nós, residia em
Ponta Grossa. Nesse artigo, Arary Souto – meu pai – faz uma defesa aos direitos
dos povos indígenas, diz da obrigação que os brasileiros têm em respeitá-los,
e promove a aproximação de Faris Michaele com Hélio Serejo. Disso resultou uma
amizade epistolar entre os dois indianistas. As cartas trocadas entre os três
intelectuais mereceriam figurar num livro. Pelo menos uma delas ficou
perenizada no mencionado Balaio de Bugre:
BALAIO DE BUGRE, de Hélio Serejo.
A primeira página do livro reservava-me a surpresa de descobrir que Hélio Serejo era sócio-correspondente da Academia de Letras José de Alencar, de Curitiba (instituição da qual sou membro, a cuja diretoria pertenci – fui seu Secretário Geral –, e onde sou atualmente conselheiro e ocupo a cadeira patronímica nº 26) conforme se lê na página 1 de Balaio de Bugre, acima:
Outra surpresa: meu pai, Arary Souto,
que tinha ligações com o Centro de Letras do Paraná, apresentou Hélio Serejo ao
renomado escritor paranaense Vasco Taborda Ribas (que foi presidente da Academia de
Letras José de Alencar – ALJA), e estes tornaram-se grandes amigos. Foi Taborda
quem escreveu nas orelhas do livro, à guisa de prefácio, o que pode ser lido na
ilustração acima, texto que assinou como “Seu irmão Vasco, da Terra dos
Pinheirais”.
Das páginas 43 a 45 há um belo elogio de Arary Souto ao escritor e também indianista Hélio
Serejo, no qual relata como foi que em 1952 apresentou seu primo (que então
residia em Presidente Venceslau, SP) ao intelectual ponta-grossense Prof. Faris
Antônio Salomão Michaele. Após esse texto, Arary Souto transcreve uma carta de
1952, de cativante brilho, destinada por Serejo a Michaele, conforme se lê nas três páginas acima.
Arary Souto faleceu em
1963 e não chegou a ver publicado o seu elogio a Hélio Serejo, porque o livro
foi editado somente em 1964. Mas então, no mesmo livro, Serejo publicou o sensível
texto “Palavras a um morto querido (1)”, no qual se refere à memória de
Arary de maneira tocante, conforme se lê nas duas páginas, 17 e 18, acima.
Ao encerrar, rendo homenagem a esses
brilhantes intelectuais que ajudaram a escrever com letras douradas a História
da Cultura Paranaense: Hélio Serejo, Vasco Taborda Ribas, Faris Michaele e meu
extremoso pai Arary Souto, todos mortos mas que continuam vivendo nas letras
que compuseram em textos magníficos que engrandecem o Brasil.
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(1) – Hélio Serejo homenageia a
memória de Arary Souto, seu companheiro na Comissão da Ponte:
Arary Souto (1908 – 1963).
PALAVRAS A UM MORTO
QUERIDO
Após lutar, desesperadamente, contra
insidiosa moléstia, sem jamais se acovardar ou recriminar a sorte madrasta –
numa agonia que arrancou lágrimas de muitos – tombou para todo o sempre Arary
Souto, o bom, o simples, o modelo de pai, o exemplar chefe de família e o amigo
incondicional de todas as horas.
Na “terra dos pinheirais”, sob o
vento gélido de Ponta Grossa, não resistindo à crise aguda do mal aterrador,
ele vergou o corpo e cerrou, lentamente, os olhos para a eternidade.
Desapareceu um justo.
Caiu um monumento de sinceridade.
Arary Souto era, em verdade, um
apaixonado pela vida: como jornalista, sensível e brilhante, vivia no silêncio,
a vida tumultuosa das grandes metrópoles, cantando com maestria seus dolorosos
e terrificantes dramas sociais; como cidadão de alma intensamente cabocla –
pura e nobre – amava as coisas belas do sertão, em rutilâncias de amor e
ternura; emoção e ternura que a pena fraca não pode alinhavar nem traduzir.
Seu coração, grande e raro, tinha –
na linguagem da lenda íncola – maior fulgurância que a Lua-Cheia, andeja e
inquieta, possuindo ainda, em dose elevada, a fragrância da floração sertaneja,
quando os campos ondulados se abrem e se engalanam para receber o “bom dia”
magnetizador da primavera, que é o cântico emoldurado de perfume e saudade.
Tombou um justo. Desapareceu um
amigo. Um amigo e um companheiro no entendimento máximo do vocábulo. Morreu um,
que foi pedestal grandioso e belo de bondade e amor fraternal; um, que jamais
cultivou ódio no coração, por haver sido gigante, por ter vivido a sua vida
acima das mesquinharias e das indignidades terrenas.
Quem com tanta nobreza viveu e lutou
pelos seus e pelo próximo, merece as bênçãos e as graças do Alto.
Preces a ele! Paz a sua alma!
Arary Souto é merecedor da oração que
engrandece e purifica o coração do cristão.
Viveu pregando o amor comum.
Destilou, sempre, clarinadas de
civismo em sua caminhada de triunfos e glórias.
Foi, sim, um justo na vida.
Oremos por ele!
Hélio Serejo
1963
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Foto de Hélio Serejo, já nonagenário, ao lado da gigantesca ponte que existe graças à sua luta por sua construção.
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