terça-feira, 7 de julho de 2020

BALAIO DE BUGRE, de Hélio Serejo. Comentários de Francisco Souto Neto.


LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

-o-



Capa de BALAIO DE BUGRE, de Hélio Serejo (edição 1964).


Comendador Francisco Souto Neto

-o-

BALAIO DE BUGRE, de Hélio Serejo.

Comentário por Francisco Souto Neto


 
Hélio Serejo em 1976. Foto de F. Souto Neto.

O escritor, jornalista e folclorista Hélio Serejo (1912 – 2007) era casado com Henriqueta Barbosa Martins, prima de minha mãe. Lembro-me do casal na época em que residiram em Presidente Venceslau, SP, cidade onde nasci em 1943 e lá ficamos até 1948, quando nos mudamos para Ponta Grossa, PR, onde fixamos residência até 1952. Após termos vivido em 1953 em Campo Grande, MS, voltamos a morar em Presidente Venceslau nos anos de 1954 e 1955 – são deste período minhas lembranças da família Serejo. Em dezembro de 1955 retornávamos a Ponta Grossa.

No ano do meu nascimento, meu pai Arary Souto era o tesoureiro da prefeitura municipal e em 1946 ou 1947 ele foi, durante curto período, prefeito do município em condições excepcionais, como ele próprio justificava, “um cargo público que me foi imposto pela guerra”.

Quando minha família mudou-se para Ponta Grossa, deixou amigos e também parentes em Presidente Venceslau. Dentre os parentes, meu Tio Hélio Serejo. Ele era nosso parente por ter se casado com uma prima de minha mãe, como disse acima. O casal teve duas filhas, Nahara Tatiana Serejo de Carvalho e Helita Barbosa Serejo Fontão. Naquele tempo, contudo, era comum que as crianças tratassem os primos mais velhos, já casados e da geração anterior, por “tios”. Assim, eu e meus irmãos os chamávamos de  “Tio Hélio” e “Tia Queta”.


A luta pela construção de uma ponte ligando SP a MS


Na década de 50, Hélio Serejo, já respeitado e conhecido escritor, deu início a uma grande campanha em prol da construção de uma ponte sobre o Rio Paraná, ligando Presidente Epitácio, em São Paulo, a Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul). Moveu incontáveis obstáculos e conseguiu importantes apoios para que sua idealização se transformasse em realidade... e o conseguiu. Arary Souto, meu pai, jornalista e intelectual, ajudou o primo a conscientizar as autoridades da necessidade da ponte rodoviária ligando dois Estados da Federação. Entre São Paulo e Mato Grosso havia então uma única ponte sobre o Rio Paraná, mas que era somente ferroviária.


Hélio Serejo no jardim de sua casa em 1976, com Francisco Souto Neto.



Hélio Serejo no jardim de sua casa em 1976, com Francisco Souto Neto.

 O projeto para a construção foi aprovado e quando a obra já se encontrava em construção, no primeiro semestre de 1961 meu pai enviou uma carta ao presidente da República, Jânio Quadros, apresentando inúmeros motivos pelos quais a ponte mereceria levar o nome do seu idealizador Hélio Serejo. A resposta do presidente, formal, foi de que "considerando todos os argumentos apresentados, seria de mérito homenagear o idealizador da grande obra".  No segundo semestre daquele ano Jânio Quadros renunciou à presidência, meu pai adoeceu em 1962 e veio a falecer em 1963. A ponte foi inaugurada em 1964 com o nome de Ponte Engenheiro Maurício Joppert, que homenageava um engenheiro e político do Rio Janeiro, ministro dos Transportes na década de 1940 e foi quem fez o projeto da obra que interligou os Estados.


Visita a Hélio Serejo em 1976 e 1992


No ano de 1976 viajei a Presidente Venceslau com minha irmã Ivone e seu marido Dulci, para visitarmos parentes e amigos de quando lá residimos por duas ocasiões. As fotos abaixo são dessa viagem, quando estendemos o passeio à cidade vizinha de Porto Epitácio para visitarmos a ponte idealizada por Tio Hélio, que contou com a colaboração de meu pai.

Recorte de jornal de Presidente Venceslau mostrando a Comissão da Ponte sobre o Rio Paraná, presidida por Hélio Serejo (na cabeceira da mesa), tendo a seu lado (à direita na foto) o meu pai Arary Souto. 

O filme dessa nossa viagem a Presidente Venceslau e à ponte em Presidente Epitácio tem menos de 5 minutos de duração e poderá ser visto no seguinte link:



Abaixo, algumas das fotografias tiradas durante a viagem a Presidente Venceslau e a Presidente Epitácio (ou Porto Epitácio):

FOTO 1 – Em 1976, Ivone Souto da Rosa e Dulci Col da Rosa (irmã e cunhado de Francisco Souto Neto) em Porto Epitácio, onde foram ver a Ponte Maurício Joppert.
FOTO 2 – Ponte Maurício Joppert, em 1976. Ao ser inaugurada, era a segunda maior do Brasil, ligando os Estados de São Paulo e Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul). O nome da ponte foi formalmente alterado em 2014 e hoje chama-se, com justiça, Ponte Hélio Serejo.
FOTO 3 – Em Presidente Venceslau, Francisco Souto Neto com o médico obstetra de sua mãe, Dr. Mendes, pelas mãos de quem ele nasceu.
FOTO 4 – A casa onde nasceu Francisco Souto Neto cujas janelas em 1943 eram adornadas de floreiras com gerânios vermelhos. Souto nasceu no quarto da janela do lado direito, meio encoberta pela árvore.
FOTO 5 – Francisco Souto Neto conversando com seu tio Hélio Serejo, no seu escritório em Presidente Venceslau.
FOTO 6 – Hélio Serejo entre Francisco Souto Neto e Ivone Souto da Rosa em 1976.

Adiante, algumas fotografias de Hélio Serejo por ocasião da viagem de 1992.

Hélio Serejo em 1992, em foto de Francisco Souto Neto. 



 Edith Barbosa Souto com Hélio Serejo e Nahara Tatiana Serejo de Carvalho, a primeira filha de Hélio e Queta, em 1992.


Edith Souto e Tatiana.


Tatiana Serejo de Carvalho 


 Hélio Serejo em 1992, em foto de Francisco Souto Neto.



Hélio Serejo em 1992, em foto de Francisco Souto Neto.

Francisco Souto Neto com Helita Serejo Fontão, segunda filha de Hélio e Queta.


A Ponte Hélio Serejo


Somente em 10 de abril de 2014, através da Lei nº 12.610, a gigantesca ponte sobre o Rio Paraná, ligando os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, passou a ser oficialmente denominada “Ponte Hélio Serejo”. Embora tardia, fez-se justiça!

Abaixo, fotografias da Ponte Hélio Serejo. São fotos que tirei da tela do meu computador, graças aos prodígios do Google Earth.


A ponte no sentido São Paulo – Mato Grosso do Sul

  
 A Ponte Hélio Serejo no Google Maps, ligando os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.


O início da travessia. A placa indica o nome da ponte.

 A placa identificadora.



A ponte é tão extensa que quase não se avista a outra margem.



A ponte no sentido Mato Grosso do Sul – São Paulo



 A placa indica que a ponte tem mais de dois quilômetros e meio de extensão.



 Ponte Hélio Serejo.



Divisa dos Estados.


Os livros de Hélio Serejo


Hélio Serejo escreveu e publicou mais ou menos 60 livros, dos quais eu tenho aproximadamente uns 30. Escolhi para figurar neste blog o Balaio de Bugre. Quando de minha visita ao escritor em 1992, ele contou-me que estava prestes a lançar uma nova edição do referido livro, com alguns acréscimos. Entretanto, escolhi este livro porque nele Hélio Serejo publicou um artigo da autoria de meu pai, que era muito amigo do intelectual indianista Faris Antônio Salomão Michaele que, como nós, residia em Ponta Grossa. Nesse artigo, Arary Souto – meu pai – faz uma defesa aos direitos dos povos indígenas, diz da obrigação que os brasileiros têm em respeitá-los, e promove a aproximação de Faris Michaele com Hélio Serejo. Disso resultou uma amizade epistolar entre os dois indianistas. As cartas trocadas entre os três intelectuais mereceriam figurar num livro. Pelo menos uma delas ficou perenizada no mencionado Balaio de Bugre:

BALAIO DE BUGRE, de Hélio Serejo.

 A primeira página do livro reservava-me a surpresa de descobrir que Hélio Serejo era sócio-correspondente da Academia de Letras José de Alencar, de Curitiba (instituição da qual sou membro, a cuja diretoria pertenci – fui seu Secretário Geral –, e onde sou atualmente conselheiro e ocupo a cadeira patronímica nº 26) conforme se lê na página 1 de Balaio de Bugre, acima:

 
Outra surpresa: meu pai, Arary Souto, que tinha ligações com o Centro de Letras do Paraná, apresentou Hélio Serejo ao renomado escritor paranaense Vasco Taborda Ribas (que foi presidente da Academia de Letras José de Alencar – ALJA), e estes tornaram-se grandes amigos. Foi Taborda quem escreveu nas orelhas do livro, à guisa de prefácio, o que pode ser lido na ilustração acima, texto que assinou como “Seu irmão Vasco, da Terra dos Pinheirais”. 



   Das páginas 43 a 45 há um belo elogio de Arary Souto ao escritor e também indianista Hélio Serejo, no qual relata como foi que em 1952 apresentou seu primo (que então residia em Presidente Venceslau, SP) ao intelectual ponta-grossense Prof. Faris Antônio Salomão Michaele. Após esse texto, Arary Souto transcreve uma carta de 1952, de cativante brilho, destinada por Serejo a Michaele, conforme se lê nas três páginas acima.


   Arary Souto faleceu em 1963 e não chegou a ver publicado o seu elogio a Hélio Serejo, porque o livro foi editado somente em 1964. Mas então, no mesmo livro, Serejo publicou o sensível texto “Palavras a um morto querido (1)”, no qual se refere à memória de Arary de maneira tocante, conforme se lê nas duas páginas, 17 e 18, acima.
  
Ao encerrar, rendo homenagem a esses brilhantes intelectuais que ajudaram a escrever com letras douradas a História da Cultura Paranaense: Hélio Serejo, Vasco Taborda Ribas, Faris Michaele e meu extremoso pai Arary Souto, todos mortos mas que continuam vivendo nas letras que compuseram em textos magníficos que engrandecem o Brasil.


-o-


(1) – Hélio Serejo homenageia a memória de Arary Souto, seu companheiro na Comissão da Ponte:


 
Arary Souto (1908 – 1963).
  

PALAVRAS A UM MORTO QUERIDO


Após lutar, desesperadamente, contra insidiosa moléstia, sem jamais se acovardar ou recriminar a sorte madrasta – numa agonia que arrancou lágrimas de muitos – tombou para todo o sempre Arary Souto, o bom, o simples, o modelo de pai, o exemplar chefe de família e o amigo incondicional de todas as horas.

Na “terra dos pinheirais”, sob o vento gélido de Ponta Grossa, não resistindo à crise aguda do mal aterrador, ele vergou o corpo e cerrou, lentamente, os olhos para a eternidade.

Desapareceu um justo.

Caiu um monumento de sinceridade.

Arary Souto era, em verdade, um apaixonado pela vida: como jornalista, sensível e brilhante, vivia no silêncio, a vida tumultuosa das grandes metrópoles, cantando com maestria seus dolorosos e terrificantes dramas sociais; como cidadão de alma intensamente cabocla – pura e nobre – amava as coisas belas do sertão, em rutilâncias de amor e ternura; emoção e ternura que a pena fraca não pode alinhavar nem traduzir.

Seu coração, grande e raro, tinha – na linguagem da lenda íncola – maior fulgurância que a Lua-Cheia, andeja e inquieta, possuindo ainda, em dose elevada, a fragrância da floração sertaneja, quando os campos ondulados se abrem e se engalanam para receber o “bom dia” magnetizador da primavera, que é o cântico emoldurado de perfume e saudade.

Tombou um justo. Desapareceu um amigo. Um amigo e um companheiro no entendimento máximo do vocábulo. Morreu um, que foi pedestal grandioso e belo de bondade e amor fraternal; um, que jamais cultivou ódio no coração, por haver sido gigante, por ter vivido a sua vida acima das mesquinharias e das indignidades terrenas.

Quem com tanta nobreza viveu e lutou pelos seus e pelo próximo, merece as bênçãos e as graças do Alto.

Preces a ele! Paz a sua alma!

Arary Souto é merecedor da oração que engrandece e purifica o coração do cristão.

Viveu pregando o amor comum.

Destilou, sempre, clarinadas de civismo em sua caminhada de triunfos e glórias.

Foi, sim, um justo na vida.

Oremos por ele!
Hélio Serejo
1963


-o-


 
Foto de Hélio Serejo, já nonagenário, ao lado da gigantesca ponte que existe graças à sua luta por sua construção.


-o-

Nenhum comentário:

Postar um comentário