LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode
conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar
pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter
sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por
ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog
pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados
exemplares da minha biblioteca.
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HISTÓRIA DA ILHA DO GOVERNADOR,
A TIPOGRAFIA EM SÃO
PAULO
e
REVÉRBERO CONSTITUCIONAL FLUMINENSE
e
REVÉRBERO CONSTITUCIONAL FLUMINENSE
por Cybelle de Ipanema e Marcello de
Ipanema (in memoriam)
Cybelle de Ipanema
Comendador Francisco Souto Neto
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HISTÓRIA
DA ILHA DO GOVERNADOR,
A TIPOGRAFIA EM SÃO
PAULO e REVÉRBERO CONSTITUCIONAL FLUMINENSE (1821-1822)
por Cybelle de Ipanema e Marcello de
Ipanema (in memoriam)
Capas de três dos muitos livros de Cybelle de
Ipanema.
As fotografias que encimam este artigo, com livros escritos pelos meus
primos Marcello de Ipanema (in memoriam)
e sua esposa Cybelle de Ipanema, são apenas três dos muitos que ambos
escreveram em coautoria ou isoladamente, e que após o falecimento de Marcello, continuaram
sendo escritos por Cybelle.
A maneira como conheci esses parentes foi muito curiosa. A história
começa quando, na década de 80, visitei o Cemitério do Catumbi, no Rio de
Janeiro, com o propósito de visitar os túmulos de meus trisavós, o Visconde e a
Viscondessa de Souto, porém encontrei o setor histórico da necrópole imersa num
matagal. Fiz uma denúncia à imprensa carioca e o Jornal do Brasil mandou
repórteres ao local, que confirmaram e ampliaram minha denúncia, começando por
uma reportagem do alto ao pé da página.
Reportagem do Jornal do Brasil de 7.4.1985, página 20.
Novamente o Jornal do Brasil de 1º.11.1985.
Marcello de Ipanema morava no Rio de Janeiro e era descendente do Visconde
de Souto e do Conde de Ipanema. De algum modo ele soube que alguém – eu –
também descendente do Visconde de Souto, residia em Curitiba ou no interior do
Paraná. Sem ter como se comunicar comigo e mesmo sem saber o meu nome, enviou a
seguinte carta ao que era o mais importante jornal da capital do Paraná, a
Gazeta do Povo, que foi publicada na edição de 23.2.1989:
Gazeta do Povo de 23.2.1989, seção “Coluna do
Leitor”
“À
procura de pessoas – Minha carta tem por objetivo, através
desta coluna, tentar localizar, para fins culturais, as seguintes pessoas: o
bisneto do visconde de Souto, ilustre português, que foi o criador da Caixa
Econômica Federal em 1861, e que, por informações que tenho, reside em Curitiba
ou outro município do Paraná. Descendentes do desembargador paranaense Antonio
de Barros Júnior, que editou em Iguaçu, RJ, O Libertador, em 1888, primeiro
jornal desta localidade fluminense. Marcello de Ipanema, rua Muapire, 271, Ilha
do Governador, CEP 21921, fone 393-7351, Rio de Janeiro, RJ”.
Eu lia referido jornal diariamente, porém não prestava atenção à página
“Coluna do Leitor”. Por sorte um amigo, Ennio Marques Ferreira, leu, percebeu
que era a mim que alguém procurava, e telefonou-me recomendando-me ler referida
coluna. Logo em seguida telefonou-me também minha amiga Marlene Sant’Anna
Granville Urban, dizendo-me o mesmo.
E foi assim que me comuniquei com Marcello de Ipanema, que era uma
pessoa importante nos círculos culturais do Rio e passamos a manter
interessante e rica amizade epistolar.
Marcelo de Ipanema discursando (1924-1993)
“Angra dos Reis no Segundo Reinado”, uma das
dezenas de livros e publicações feitas por Marcello de Ipanema em coautoria com
sua esposa Cybelle de Ipanema.
Marcello de Ipanema nasceu em Ribeirão Preto, São Paulo, a 13 de abril
de 1924, e faleceu no Rio de Janeiro, em 16 de julho de 1993. Bacharel e licenciado
em Geografia e História pela Faculdade Nacional de Filosofia da ex-Universidade
do Brasil, atual UFRJ. Foi assistente do prof. Roberto Piragibe da Fonseca, em
1952, no curso de Jornalismo da PUC/RJ. Em 1965, nomeado para dirigir a Divisão
de Patrimônio Histórico e Artístico da Guanabara. Foi diretor do IPHAN. Participou
das atividades iniciais do Museu da Imagem e do Som da Guanabara. Membro do
Conselho Estadual de Cultura do novo Estado do Rio de Janeiro, de 1975 a 1983,
sendo seu vice-presidente por eleição. Membro de Academias de Letras e
Institutos Históricos. Presidente do de Niterói (1981/1983), cidade a cujo
Conselho de Cultura também pertenceu. Eleito sócio efetivo do IHGB, em 29 de
setembro de 1965, sendo recebido pelo professor Hélio Viana. Benemérito desde
29 de junho de 1987 e primeiro-secretário, no biênio 1986/1987. Colaborou em
jornais e revistas do país, notadamente no Rio de Janeiro e interior
fluminense, desde 1945.
Desde o falecimento de Marcello, passei a manter contato amiúde com sua
viúva Cybelle de Ipanema, que até 2011 foi presidenta do IHGRJ (Instituto
Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro) e que ao mesmo tempo continuou na
diretoria do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro). Continuo
mantendo laços de amizade com ela e sua filha Rogéria de Ipanema.
Tendo sido Marcello um defensor da fauna e da flora, que sempre levantou
a voz em prol do ambientalismo, foi inaugurado em 1993 o Parque Marcello de
Ipanema, homenageado como um dos importantes ambientalistas do país. Projetado
pela arquiteta Vera Lúcia Cardim, as obras de implantação e paisagismo do
parque foram inauguradas em 1995. Ocupa estreita faixa das encostas florestadas
do Morro de Santa Cruz, entre o Iate Clube Jardim Guanabara e a Praia da Bica,
na Ilha do Governador, capital do Rio de Janeiro.
O Parque Marcello de Ipanema.
No dia 9 de março de 1994, Cybelle enviou-me a Carta Mensal nº 32 do
Colégio Brasileiro de Genealogia, com as seguintes palavras no frontispício:
“Ao primo Francisco Souto Neto, um pensamento de você em Marcello”:
Palavras de Cybelle a mim destinadas, logo após o falecimento de Marcello.
Fui à página assinalada e encontrei sua referência à família Souto, com destaque ao meu nome:
Palavras de Cybelle a mim destinadas, logo após o
falecimento de Marcello.
Por duas vezes recebi a visita de Cybelle de Ipanema aqui em Curitiba e
continuamos mantendo contato através de cartas e por telefone. Com Rogéria
comunico-me por e-mail.
Em 1999 recebo em Curitiba minha prima Cybelle de Ipanema. Sentada, sua irmã Nice.
Em 2003 recebo mais uma vez Cybelle de Ipanema,
desta feita com sua neta Carolina.
Francisco Souto Neto (com seu chihuahua Paco
Ramirez), Cybelle de Ipanema e Carolina.
Antes de comentar os livros anunciados ao início deste texto, devo
lembrar um fato muito importante: quando eu e minha prima Lúcia Helena Souto
Martini já tínhamos escrito a biografia Visconde
de Souto: Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial, mas ainda não
encontrado uma editora para publicá-la, Cybelle e sua filha Rogéria
sugeriram-nos que tentássemos publicar algum capítulo do livro na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro – IHGRJ. Essas publicações
chamam-se “Revistas” pela tradição, porém seu formato é de livro. Cybelle
ocupava a presidência do referido Instituto e Rogéria era a 1ª Secretária.
Enviamos o capítulo denominado “A Chácara do Souto e seu Jardim Zoológico”, que
foi submetido a uma exigente e criteriosa comissão. É sabido que não é fácil
publicarem-se textos nas revistas do Instituto Histórico e Geográfico
existentes nos Estados federativos, porque as comissões que avaliam os autores
são formadas por pessoas muito exigentes, de respeitado nível intelectual. Pois
para nossa surpresa, o texto foi aprovado e publicado na R.IHGRJ nº 18, de
2011, cuja capa é da autoria de Rogéria Moreira de Ipanema:
Capa da R.IHGRJ nº 18 (2011)
4ª capa ou contracapa, com os nomes dos autores participantes.
O texto poderá ser lido no seguinte endereço:
Resolvemos tentar também a publicação de outro capítulo do mesmo livro,
então ainda inédito, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
e enviamos “Visconde de Souto, Fazenda Bela Vista e Capela Mayrink”. Depois de algum
tempo, para nossa alegria, fomos informados de que o nosso texto fora aceito e
que seria publicado na R.IHGB, ano 173, nº 455, de abr./jun. 2012. Vale lembrar
que, circulando regularmente desde 1839 (portanto, com 181 anos), ainda época
do 1º Reinado, é uma das mais longevas e respeitadas publicações do mundo
ocidental. Abaixo, a capa da Revista, isto é, do livro:
Capa da R.IHGB, ano 173, nº 455, de abr./jun. 2012.
A cópia fiel do texto publicado poderá ser lida no seguinte endereço:
Mais uma história importante envolvendo a escritora Cybelle de Ipanema:
é que ela gostou tanto daquilo que publicamos nas duas revistas do Instituto
Histórico e Geográfico, que nos convidou a mim e minha prima e coautora Lúcia
Helena Souto Martini para voltarmos ao Rio de Janeiro, com o propósito de
proferimos uma palestra na sede do IHGB sobre nosso trisavô Visconde de Souto. Então
eu e minha querida prima lá estivemos em 2012. Dentre as pessoas que
compareceram ao evento, contamos com a presença de nossa prima Sílvia Grumbach,
esposa de José Roberto Ponce Grumbach, que é descendente do Visconde de Souto e
do Marquês de Olinda. A palestra foi um sucesso e uma nota foi publicada na edição
seguinte da R.IHGB.
Ao longo da nossa palestra, com Lúcia Helena comandando o power point, chegamos ao momento em que
contamos que o Visconde de Souto era motivo para que os autores teatrais o
incluíssem como personagem em suas peças. Machado de Assis, que conheceu o Visconde e tinha
por ele admiração e até uma espécie de fixação, ao final da Cena VI da peça
teatral Hoje avental, amanhã luva, dá
a seus personagens o diálogo que vou reproduzir abaixo. Então, ao chegarmos lá
pela metade de nossa palestra e ao contarmos aos presentes alguns lances
literários de Machado com o Visconde, lemos o diálogo, ao mesmo tempo
interpretado, Lúcia Helena fazendo Rosinha e eu fazendo Durval:
Durval – Que é
isso?
Rosinha – Uma
carta da ama a uma sua amiga. “Querida Amélia: o Sr. Durval é um homem
interessante, rico, amável, manso como um cordeiro, e submisso como o meu
Cupido...”
Durval – A
comparação é grotesca na forma, mas exata no fundo. Continua, rapariga.
Rosinha (lendo) –
“Acho-lhe contudo alguns defeitos”.
Durval –
Defeitos?
Rosinha –
“Certas maneiras, certos ridículos, pouco espírito, muito falatório, mas afinal
um marido com todas as virtudes necessárias...”
Durval – É
demais!
Rosinha –
“Quando eu conseguir isso, peço-te que venhas vê-lo como um urso na Chácara do
Souto”.
Durval – Um
urso!
Rosinha (lendo)
– “Esquecia-me de dizer-te que o Sr. Durval usa de cabeleira” (fecha a carta).
Durval –
Cabeleira! É uma calúnia! Uma calúnia atroz! (levando a mão ao meio da cabeça,
que está calva) Se eu usasse de cabeleira...
Rosinha – Tinha cabelos,
é claro.
Durval –
(passeando com agitação) Cabeleira! E depois fazer-me seu urso como um
marido na Chácara do Souto.
Rosinha (às
gargalhadas) – Ah! ah! ah! (vai-se pelo fundo).
E assim, interpretando uma risada, Lúcia Helena terminou a nossa
encenação.
Após a palestra, Cybelle convidou-nos para conhecermos os ambientes
nobres do tradicionalíssimo Instituto.
Cybelle de Ipanema em seu gabinete de trabalho em companhia da filha Rogéria Moreira de Ipanema. Em 2011, ocasião desta foto, Cybelle era presidenta do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro e diretora 1ª secretária do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rogéria era membro do IHGB e diretora do IHGRJ.
Francisco Souto Neto, Rogéria Moreira de Ipanema,
Cybelle de Ipanema e Lúcia Helena Souto Martini na sala da presidência do IHGB.
Vista da cobertura do prédio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (foto de Francisco Souto Neto).
Vista da cobertura do prédio do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (foto de Francisco Souto Neto).
Cybelle
Cybelle é doutora em comunicação pela UFRJ. Disse ela: “Em 1963, quando professora
do Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, fui convidada pela diretora
Maria Amélia Pena, para organizar uma semana de cultura destinada às
comemorações do IV centenário do Rio de Janeiro. Além disso, fiquei responsável
por fazer um levantamento da cartografia e da bibliografia da Ilha do
Governador”. Mais admirável ainda é que Cybelle de Ipanema fez parte da
Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Brasil, e esteve no
Planalto Central antes mesmo de Juscelino Kubitschek fazer a primeira viagem à
região do cerrado onde mandaria erguer Brasília. Cybelle tem dedicado sua vida
profissional às pesquisas sobre a construção histórica, política e social da
cidade do Rio de Janeiro e de munícipios fluminenses. Ele foi entrevistada pelo
Museu da Pessoa, do Rio de Janeiro, e em épocas diferentes também Marcello o foi,
bem como sua filha Rogéria que segue os passos de seus pais em produzir
cultura.
Não vou me aprofundar nos traços biográficos de Cybelle de Ipanema,
porque logo abaixo esses dados poderão ser encontrados em contracapas ou
orelhas de livros da sua autoria.
Os livros de Cybelle
de Ipanema
Três dos inúmeros livros publicados de Cybelle de
Ipanema.
Capa de A Tipografia em São Paulo: Contribuição à História de suas Origens.
Primeira orelha.
Dedicatória.
Segunda orelha.
4ª capa ou contracapa.
Capa de História da Ilha do Governador.
Abertura e dedicatória.
4ª capa ou contracapa.
O estojo com os três volumes de Revérbero Constitucional Fluminense (1821-1822).
Os três volumes de Revérbero Constitucional Fluminense (1821-1822) encaixados dentro do estojo.
Fora do estojo, os três volumes que compõem o Revérbero. “Reverbero”, sem o acento agudo, era a nomenclatura originalmente correta no século XIX, tal como indicado na capa e nos tomos da obra, que acertadamente publica tal como era no original. Estou escrevendo aqui com o acento, por uma liberdade da minha parte, apenas atualizando conforme as normas da ortografia ora vigentes.
Capa do Revérbero: Texto, Estudo Hemerográfico e Indexação, por Marcello de Ipanema (in memoriam) e Cybelle de Ipanema.
Capa do Revérbero:
Texto, Estudo Hemerográfico e Indexação, por Marcello de Ipanema (in memoriam) e Cybelle de Ipanema.
Primeira página do Revérbero.
Dedicatória.
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Resolvi incluir mais um livro de Marcello e Cybelle, Catálogo de Periódicos de Niterói, e ainda um de Cybelle, Efemérides Fluminenses, pois
gostei muito da sua foto na orelha da obra, com o cabelo natural – uma feliz e
bela fotografia.
Catálogo de Periódicos de Niterói, de Marcello e Cybelle.
Capa de Efemérides Fluminenses.
Orelha do livro com foto de Cybelle e seus traços
biográficos.
O saudoso Marcello de Ipanema, sua viúva Cybelle e a filha Rogéria,
primos distantes e queridos, e a história de como os conheci e como passaram a
fazer parte da minha vida.
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Acabo de escrever este texto no dia 16 de agosto de 2020, em
recolhimento social, isto é, em quarentena pela covid-19 há quase 5 meses, com
a esperança de que logo tenhamos a vacina que amainará as dores do planeta e
nos devolverá à vida quase normal. “Quase”, porque depois do novo coronavírus
nada mais será como antigamente.
Francisco Souto Neto em agosto de 2020.
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Olá, Padrinho. Grandiosa história sobre Cybelle e que legal o encontro de vocês em sua residência. Vocês são lídimos guardiões da memória nacional.
ResponderExcluirObrigado, querida Mara! Saudade de vocês. Beijos.
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