LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro
pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O
exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras,
ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos
leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante.
Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a
determinados exemplares da minha biblioteca.
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VESPASIANO, MEU PAI
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A autora, Nelly Martins (1923-2003), prima de minha mãe Edith Barbosa
Souto (1911-1997), era filha do médico Vespasiano Barbosa Martins (1889-1965),
que foi governador do estado de Mato Grosso Uno, além de ter sido prefeito de
Campo Grande por três vezes e senador da República em dois mandatos. Ela casou-se
com um primo, Wilson Barbosa Martins (1917-2018), com o mesmo sobrenome do seu
pai Vespasiano, que também teve uma carreira política de enorme importância, e
foi governador de Mato Grosso do Sul durante
dois mandatos, senador e deputado federal também por duas vezes, além de
prefeito da então futura capital Campo Grande.
Isto significa que Nelly Martins foi filha de um governador, Vespasiano, e esposa de outro, o Wilson. Pode-se facilmente imaginar que Nelly teve uma vida admirável.
No ano de 1964, nas minhas férias do Banestado, eu resolvi conhecer Brasília. Fiz a viagem desde Ponta Grossa, de ida e volta em ônibus. Na nova capital do Brasil , inaugurada há apenas 4 anos, visitei Wilson (que na época era deputado federal) e Nelly; em seu apartamento encontrava-se a filha Celina, uma jovem muito bonita que ao violão tocou e cantou “Guantanamera” para eu ouvir. Na mesma ocasião também me encontrei com Tio Valério (tio de minha mãe) que era médico no Senado Federal, e Tia Nadir, soprano, que fora cantora de ópera no Rio de Janeiro.
Depois disso, voltei
a ver Wilson e Nelly somente em 1983, quando Wilson foi eleito governador, e eu
e minha mãe fomos à sua posse, na companhia de minha prima Terezinha Barbosa
Macedo. O relato dessa viagem, com interessantes fotos, está no artigo abaixo,
que escrevi quando Wilson Barbosa Martins completou 100 anos de idade, em 2017,
referindo-me a ele e Nelly, e mencionando Vespasiano e alguns outros parentes,
com fotografias interessantes que hoje devem ser de importância histórica. Naquele
texto, conto também que quando da pandemia da Gripe Espanhola, minha mãe aos 7 anos em 1919, e seu pai (meu avô materno) foram
contagiados pela doença. Meu avô não resistiu e faleceu. Minha mãe recebeu a
atenção desvelada de Tio Vespasiano – seu tio-avô médico – que lhe deu
assistência duas vezes ao dia, e sobreviveu graças a ele. Este é o link onde
faço tais relatos:
http://fsoutone.blogspot.com/2017/06/os-100-anos-de-wilson-barbosa-martins.html
A casa paterna de Nelly era um palacete afastado da rua, em terreno que abrangia o quarteirão inteiro, entre arvoredos e jardins, no centro de Campo Grande. Em 1953 nós
residimos na Av. Calógeras, a meia quadra da Av. Afonso Pena. O palacete de meu tio-bisavô, pai de Nelly, localizava-se na mesma Avenida Calógeras, no segundo quarteirão após a Afonso
Pena. Eu estudava em meu 3º ano primário no Colégio Oswaldo Cruz, muito perto dali, localizado na
atual Av. Fábio Zahran nº 5500, a não mais de uns 300 metros de minha casa.
Naquele tempo, em frente ao colégio passava a linha férrea cujos trens de
passageiros faziam a ligação Campo Grande – São Paulo. Então, tanto na ida
quanto na volta do meu caminho para o colégio, eu passava ao lado do palacete de Tio Vespasiano e admirava a
imponência da construção, que foi a primeira residência de alvenaria da cidade
e que em 1953 já era uma vivenda antiga.
Em seu livro “Vespasiano, meu pai”, Nelly lembra-se de como era sua
casa:
No mesmo livro, um capítulo que mostra a um só tempo o refinamento da
autora e seu senso de humor:
No ano inteiro de 1953 eu e minha família residimos em Campo Grande, onde meu pai Arary Souto organizou e inaugurou um jornal diário a convite de Wilson Martins, então prefeito. Algumas fotos daquele período:
Nelly foi uma pessoa de grande cultura e sensibilidade. Apesar de ter tido uma vida abastada, foi sempre muito simples. Quando seu marido Wilson foi prefeito e depois governador do Estado, Nelly pedia para não ser tratada por “primeira-dama”. Além de apegada às letras, Nelly era uma artista plástica de reconhecido talento.
Mantive uma interessante correspondência com Nelly durante muitos anos.
Tenho guardadas algumas de suas cartas, e vou anexar somente duas delas. A
primeira, de 1986, porque diz respeito à sua pintura; a segunda, de 1995, do
tempo em que foi a primeira-dama de Mato Grosso do Sul.
Nelly Martins artista
plástica
Em 1986 Nelly expôs em Campo Grande. Abaixo, o seu convite-catálogo com
8 páginas, que recebi anexo a um recorte de jornal e a algumas palavras dela:
Nelly Martins primeira-dama de Mato
Grosso do Sul
A mensagem abaixo foi escrita por Nelly Macedo em julho de 1995, quando ela era a primeira-dama da Mato Grosso do Sul. O Governador estava com 78 anos, a minha idade ao escrever este artigo. Ela relata que ela e Wilson estiveram em Nova York e Washington, onde Wilson “foi ao BID tentar conseguir um empréstimo para um Projeto Pantanal. Foi elogiado e parece que no próximo ano sai a negociação, considerando que foi, seu projeto, prioritário. Ficamos felizes”. Mais adiante, refere-se ao seu trabalho (do qual nada recebia, logicamente) na qualidade de primeira-dama do Estado: “Sou presidente (de fato) do órgão assistencial do governo. Trabalho muito, mas não recebo nada. Tenho 700 e tantos funcionários, 31 creches, 25 polos em bairros, 48 hortas comunitárias (em bairros), meninos de rua em vários programas especiais, promovo campanhas pró programas sociais (este mês um bingo de carro 0 km) e o mês que passou uma festa junina na praça por 8 dias, com 50 e tantas barracas, baile, quadrilhas, pesque infantil, jogos, uma loucura”. E após despedir-se, um post scriptum: “Meu trabalho se estende ao interior. Assinamos, este ano, 208 convênios. Nenhum município ficou de fora. É uma luta”.
São apontamentos que poderão ser interessantes para a História de Mato
Grosso do Sul e, por extensão, do Brasil.
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