domingo, 26 de setembro de 2021

“A NÁUSEA” de JEAN-PAUL SARTRE e a história pessoal de uma antiga paixão - Por Francisco Souto Neto.

 

LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

 

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“A NÁUSEA” de JEAN-PAUL SARTRE

e a história pessoal de uma antiga paixão


A Náusea, de Jean-Paul Sartre, Publicações Europa América (Portugal)  

 
Comendador Francisco Souto Neto 

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Em 1967 fiz uma extensa viagem que envolveu Bolívia, Peru, Chile e Argentina, com ênfase no passado dos três primeiros países abrangendo o antigo Império dos Incas.

Retornando a Ponta Grossa, entrei na Livraria Montes procurando algum livro para ler, quando encontrei o romance existencialista A Náusea, de Jean-Paul Sartre, um dos meus autores prediletos e de quem eu já lera diversos outros livros, como O Muro, a trilogia Os Caminhos da Liberdade (composta por A Idade da Razão, O Sursis e Com a Morte na Alma), As Palavras... e vários textos de teatro, como As Moscas, Entre Quatro Paredes, As Mãos Sujas, A Prostituta Respeitosa, Orfeu Negro. Entretanto não li o livro imediatamente. 

 
Na página 5, registrei o dia em que comprei “A Náusea”,  7.10.1967, fazendo uma alusão ao meu retorno da viagem “à Terra Sagrada dos Incas”.

 
Na página 302, fiz um comentário em 10.10.1969 sobre a importância do livro de Sartre.

 

Passados dois anos, em 1969, aos 26 anos, tive uma pneumonia quando trabalhava na agência do Banco do Estado do Paraná, em Ponta Grossa. Recorri a um médico do Sindicato dos Bancários, que me tratou e determinou que eu passaria não me recordo quantos dias em casa, em repouso absoluto. Então aos cuidados de minha querida e saudosa mãe, enquanto passei os dias acamado dediquei-me principalmente à leitura.

O primeiro livro que peguei para ler enquanto permanecesse de cama, foi A Náusea. Como de hábito, li com uma caneta à mão, grifando os trechos mais interessantes e escrevendo minhas impressões às margens das páginas.

Seria impossível registrar aqui os momentos mais impressionantes da obra, porque são inúmeros... ou a obra em sua totalidade. Mesmo assim, fiz cópias de algumas páginas – apenas algumas poucas – das centenas que considerei importantes. As quatro cópias abaixo, envolvendo oito páginas, são para mim uma síntese do movimento literário que foi chamado de “existencialismo”. Se o leitor tiver a sorte de lê-las, sem dúvida sentirá um impulso para conhecer inteiramente esta obra-prima da literatura mundial:

 




Da página 170 à 177

As páginas 213 a 217 são também sínteses do existencialismo e reforçam a compressão de que Sartre, tendo recebido o Prêmio Nobel de Literatura, recusou-o para não sentir comprometida a sua liberdade.




Da página 213 à 217 

 
Contracapa ou quarta capa de A Náusea.

Este meu blog, como se sabe, não tem o propósito de fazer crítica literária, mas revelar situações pessoais que ocorreram durante ou após a sua leitura. No caso deste livro, ele registra uma grande paixão que tive por uma moça e que durou alguns anos... uma paixão, entretanto, não correspondida. Aconteceu o seguinte:

Acamado, no segundo dia de tratamento da pneumonia, preocupado com minha saúde e temendo por complicações que pudessem me levar à morte, resolvi escrever um soneto em versos alexandrinos, em forma de um acróstico, com as palavras “minha pneumonia”, entretanto dedicado à garota por quem eu era apaixonado há anos. Seu nome: Sônia Maria. Ela era uma moça bonita e culta, atraente, de quem tentei me aproximar. Como eu era amigo de seu pai (e par de diretoria na União dos Trovadores), costumava frequentar a casa da família. Porém eu não era correspondido na paixão. Ela namorava um rapaz muito bem situado, que era visto dirigindo um belo carro “último tipo” (hoje diríamos “carro novo” ou “carro zero km”). Tendo perdido meu pai em 1963, eu era àquele tempo um simples escriturário no banco onde trabalhava.  

Feito o soneto em 9 de outubro de 1969, eu o transcrevi na última página do livro de Sartre que eu estava começando a ler. Como o soneto não estava perfeito na forma, eu pretendia ainda lapidá-lo. 

O acróstico com o nome da minha inspiradora e homenageada não poderia ser empregado num soneto – obrigatoriamente de 14 versos – porque o nome duplo “SÔNIA MARIA” tem apenas dez e não quatorze letras. Assim, formei o meu acróstico com as palavras “MINHA PNEUMONIA”, frase que contém as necessárias 14 letras, e dedicado a “Maria” – simplesmente “Maria” –, porque Marias são muitas e a leitura do poema não direcionaria o leitor à minha “indiscrição” que, naquela época, seria divulgar o nome completo da minha musa...

E o soneto acrosticado, que transcrevi no livro que estava lendo quando tive pneumonia, ficou esquecido naquelas páginas. Nunca o lapidei e tampouco o publiquei.

Agora, passado mais de meio século, ao pegar o velho exemplar de “A Náusea”, senti-me muito surpreso ao encontrar ali o antigo soneto acrosticado, pois eu já não me recordava em que livro eu deixara o soneto anotado.

Resolvi corrigir o soneto, não no que escrevera originalmente na página em branco do livro, mas numa cópia que imprimi da página manuscrita com o poema, agora acertando o número de sílabas poéticas que um soneto alexandrino precisa ter, obrigatoriamente, isto é, 12 sílabas poéticas (e não sílabas gramaticais) em cada verso. Acertei esse número nos versos que estavam irregulares, porém ainda continua existindo uma falha grave no soneto, que é a seguinte: os versos alexandrinos exigem que a metade de cada estrofe, ou seja, a sexta sílaba poética tem que ser tônica... e nem todas as estrofes de Minha Pneumonia atenderam a essa exigência. Para corrigir isso, eu precisaria modificar o poema radicalmente. Por esse motivo resolvi deixar assim como ficou; pelo menos a versificação, a rima e a métrica estão corretas. Devo lembrar que a pronúncia da palavra latina “pneumoniæ” (o æ "emendado") é “pneumonié”... para rimar com “até”.


 
Página 310 do livro A Náusea, de Sartre, com o soneto acrosticado em versos alexandrinos denominado “Dia de Pneumonia”, escrito à mão por Francisco Souto Neto no segundo dia em que esteve em repouso (em 9.10.1969) por ter contraído pneumonia, contendo correções em vermelho feitas décadas depois. 

Numa cópia que fiz das páginas 310 e 311 em minha impressora no dia 4.6.2021, efetuei as correções e acrescentei uma observação sobre “Maria”, que ainda vive, é saudável e continua bonita, após dois casamentos e duas viuvezes.

  
Na foto acima, tirada em 4.6.2021, minha mão segura a cópia corrigida do soneto, ao lado do original escrito em 9.10.1969.

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DIA DE PNEUMONIA

 

Soneto acrosticado

em versos alexandrinos,

de F. Souto Neto

 

Mas que súbita altura de temperatura!

Insólita dor o tossir me faz sentir!

Não sei; a quem, pois, minha débil voz atura?

Hoje à pneumonia em dia de destruir.

 

A mim não destruirão, estafilococos,

Perversos “diplococcus pneumoniæ”!

Não, se anticorpos lanço contra estreptococos

Em exércitos que me estremecem até!

 

Uma guerra estranha ocorre em minhas entranhas.

Mas terão anticorpos, ou não, algum louro?

Oh, sanhas da dúvida que me trazem manhas:

 

Não quero nunca morrer de pneumonia,

Inda que em suave agonia de leito de ouro,

Antes de ter beijado e amado Maria.

 

(Escrito em meu leito de enfermo,

no 2º dia da pneumonia,

[em Ponta Grossa] a 9.10.1969)

 

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PASSADO E PRESENTE


 
A fotografia de quando formamo-nos no Curso Científico, em Ponta Grossa, no ano de 1962. Isto ocorreu há quase 60 anos...  Sônia Maria era a moça mais bonita do colégio. Basta olhar a foto e saber quem é ela mesmo sem conhecê-la. Eu já seria bem mais difícil de identificar, mas sou o único a usar óculos. 

Neste detalhe, Sônia em baixo à esquerda, e eu em cima à direita. Os dois ao meu lado são: Nadal (Osiris ou Dalton? Não me lembro) e Guilherme Natel de Paula Xavier. Abaixo de mim, de paletó claro, o Érico (não me recordo do sobrenome). 

 
Neste detalhe da foto, Sônia parece emoldurada pelas colegas como pétalas de uma flor.

Francisco Souto Neto em 1967.

Em 2019, Sônia e sua filha Fernanda.  

Em 2019, antes da pandemia, recebo em minha casa a visita de Sônia.   

Francisco Souto Neto em 2021. 

Concluindo, quero deixar registrado que o tempo escorre em velocidade inexorável e impiedosa. Para quem se aproxima da idade de 80 anos, aquilo que ocorreu há cerca de meio século parece ter sido ontem. Por isso, os octogenários têm a impressão de não terem vivido tantos anos. É como se houvesse algo de errado nessa contagem, um equívoco na soma do tempo. Talvez por isso as palavras do espanhol Calderón de la Barca, escritas há mais de 500 anos, sejam tão verdadeiras e atuais:

 ¿Qué es la vida? Un frenesí. ¿Qué es la vida? Una ilusión, una sombra, una ficción; y el mayor bien es pequeño; que toda la vida es sueño, y los sueños, sueños son.

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