quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O DIA EM QUE TÚLIO DESCOBRIU A ÁFRICA, de Ralf Rickli - Por Francisco Souto Neto.

 

LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

 

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O DIA EM QUE TÚLIO DESCOBRIU A ÁFRICA, de Ralf Rickli

 
Capa de O DIA EM QUE TÚLIO DESCOBRIU A ÁFRICA 


Comendador Francisco Souto Neto

 

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O DIA EM QUE TÚLIO DESCOBRIU A ÁFRICA,

Ralf Rickli

 

Ralf Rickli atualmente.

Ralf Rickli na infância.


Ralf Rickli na infância.


 
Ralf Rickli no começo da década de 80 com o primeiro filho Gunnar Natanael Rickli Vargas. Dois anos depois nasceu Ana Estrella Libertad Rickli Vargas.


Comemora-se no Brasil, em 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra, alusiva ao dia em que foi morto Zumbi dos Palmares, em 1695, um líder que é o símbolo da luta contra a escravidão e pela liberdade dos africanos e afro-brasileiros. É feriado em cinco estados da federação e em mais de mil municípios. Há um projeto de lei, em discussão no Senado, propondo que esse dia seja feriado nacional.

Neste momento em que a raça negra é cada vez mais respeitada e enaltecida, existe, paralelamente, um funesto e incompreensível preconceito racial no Brasil, às vezes bem explícito, mesmo sendo proibido por lei, mas quase sempre camuflado.

Sei diretamente de amigos negros que o preconceito de raça existe por aqui numa proporção muito impressionante, algo indigno de países que se pretendam civilizados. Por isso causou indignação a declaração do vice-presidente da República, o general Mourão, de que não existe preconceito no Brasil. É evidente o negacionismo de membros do atual governo federal, e do próprio presidente da República, às questões científicas e até mesmo no simples confronto às verdades, as mais diversas, sob os seus mais variados aspectos.

 

As palavras negacionistas do general

 

Exemplo disso ocorre das reações ao brutal assassinato do negro João Alberto no supermercado Carrefour de Porto Alegre. Há dois dias, um repórter indagou ao vice-presidente Mourão sobre esse crime. O general respondeu, ipsis literis: “É lamentável, né, é lamentável isso aí, porrr, não é? Isso é lamentável, é, porrr, em princípio é segurança totalmente despreparada pra atividade que eles têm que fazer, né?”. O repórter insistiu: “O senhor considera que é um caso que mostra um caso de racismo?”. A resposta do general foi bem enfática: “Não... eu sou... No Brasil não existe racismo. É uma coisa que querem importar aqui pro Brasil, e isto não existe aqui, né?”. O repórter se surpreendeu: “Não tem racismo?”. E o general: “Não. Eu digo pra você com toda tranquilidade: não tem racismo aqui!”. O repórter, surpreso: “Não considera que foi uma violência rac...”, e o general atalha: “Não, não existe racismo aqui. (...) Aqui existe desigualdade”.

https://www.youtube.com/watch?v=xfeUY05-Uk4

A declaração do vice-presidente da República é assombrosa para todos nós que sabemos, de sobejo, o quão intenso e abjeto é o racismo no Brasil. Para alguém dizer que aqui não existe racismo, só mesmo se vive no mundo da Lua. Nesse governo negam-se verdades com uma naturalidade que é de pasmar. A negação à existência desse lado perverso e insensato de grande parte dos brasileiros “brancos”, é ter medo de reconhecer e não querer enfrentar e combater essa face monstruosa e abjeta do país. O negacionismo e a fuga para o irreal têm sido mais cômodos para o governo que aí está.

Na semana passada, houve mais um caso comentado em todos os canais de televisão do Brasil, assim descrito na internet: “Nesse domingo 15/11/2020 entrou um casal de idosos na loja Ponto Frio do GV Shopping e perguntou: ‘Quem é o gerente da loja?’ O gerente, que estava próximo, respondeu: ‘Sou eu, em que posso te ajudar?’. A senhora olhou-o dos pés a cabeça, pegou no braço de seu esposo e respondeu: ‘É inadmissível que um negro gerencie uma loja tão grande como esta’. O gerente, pego de surpresa, ficou tão constrangido que abaixou a cabeça e não teve resposta. O casal saiu da loja em seguida, e o gerente também não conseguiu ficar no salão de vendas, retirando-se para uma sala particular. Um dos funcionários que assistiu ao fato, após alguns minutos foi atrás para ver como seu gerente estava, e encontrou-o chorando como uma criança . Todos os funcionários ficaram consternados após saberem do ocorrido. A equipe, então, decidiu tomar a atitude hoje, 16/11/2020, foi esta:

https://www.youtube.com/watch?v=HLrWTQdsEks

 

Por isso e mais que isso, o livro de Ralf Ricki

 

Capa de O dia em que Túlio descobriu a África.

Conheço Ralf Rickli desde que ele, um adolescente, tocava órgão na Igreja Evangélica da Rua Comendador Araújo aqui em Curitiba. Tenho uma foto dele àquele órgão, que momentaneamente não sei onde está, mas quando encontrá-la pretendo inseri-la neste texto.

Ralf  músico, publicitário e licenciado em pedagogia  era um rapaz desde muito cedo afeito à literatura, à música e à cultura em geral. Embora louro de olhos azuis, sempre orgulhou-se de sua origem multirracial. Afinal, a miscigenação étnica é uma realidade insofismável ao brasileiro, a todos nós. Bem a propósito, recentemente meu amigo Carlos Oswaldo Bevilacqua citou um trecho de Gilberto Freyre no livro Casa-Grande e senzala: “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam os nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra”.

Dedicatória do autor para o Souto.


Abertura do livro.


Dados técnicos e um convite à leitura.

 

O personagem do livro O dia em que Túlio descobriu a África, que li no fim da década de 90 mas que ainda me recordo bem, conta a história de um rapaz negro, trabalhador, morador de uma favela, que é confundido pela polícia com um marginal. O primeiro parágrafo da obra diz: “Parado aí, neguinho! Encoste na parede e não se mexa!”. 

É exatamente o que acontece com grande frequência no Brasil, em qualquer parte, por preconceito de cor – aquilo que o “vice” finge não ver que existe com brutal intensidade em nosso país.

O personagem Túlio decide-se a fazer uma viagem a inúmeros países africanos. Sendo ele um rapaz pobre, é através da magia de um tapete voador que o faz atravessar as vastidões do continente negro. E então, baseando-se o autor em minuciosas e profundas pesquisas a respeito das nações da África, faz um interessante relato de suas particularidades e diferentes culturas.  

 

Quarta capa (contracapa): os países, cidades e lugares visitados por Túlio.


O autor, com uma linguagem atraente, mostra a importância do continente tão pouco conhecido por nós, que somos seus vizinhos no planeta. Eu mesmo conheço pouco da África: estive apenas no Egito e Tunísia. Mas já tenho lido muito sobre aquele continente e acho muito interessante que Ralf Rickli refira-se até mesmo a algumas verdades que foram distorcidas pela ficção cinematográfica. Por exemplo, os egípcios, tanto os faraós quanto o restante do povo, na verdade eram negros.

 


Nas palavras de Ricardo de Andrade em Arqueologia e História das Religiões, “Negros não são descendentes de escravos, como dizem os livros escolares. São descendentes de civilizações africanas, de reinados fortes e poderosos. São descendentes de reis, rainhas, príncipes e princesas. São parentes de homens e mulheres que desenvolveram a escrita, a astrologia, as ciências e as pirâmides. São fruto de um povo que desenvolveu as técnicas agrícolas e que domina a medicina alternativa. São fruto de um povo que conhece as folhas e como despertar o poder delas”. E minha prima Lúcia Helena Souto Martini, escreveu-me recentemente algo muito interessante a respeito do tema “escravos”: “Todos nós [os brancos] somos descendentes de escravos. É matematicamente impossível que em algum ramo remoto de nossa árvore genealógica não haja pelo menos um escravo. Todos os povos escravizaram outros povos – às vezes, seu próprio povo”. 

(OBSERVAÇÃO: Minha prima Lúcia Helena, acima referida, após a leitura deste artigo, escreveu-me e fez o seguinte acréscimo ao que acima transcrevi: "Uma observação: quando eu escrevi "todos nós" referi-me a todos nós mesmo, brancos, negros, asiáticos, indígenas. Acrescento: da mesma forma que descendemos de escravos, todos nós também descendemos de nobres, sábios, poderosos. A maioria dos registros genealógicos foi perdida, e ignoramos nossa ascendência, a não ser que tenhamos a sorte de encontrar pistas por meio de pesquisa. Como a escravização de africanos é recente em termos históricos, temos clareza quanto à sua crueldade abjeta, que apesar de vergonhosa (ou por isso mesmo) serve para demonstrar o quanto se deve aos descendentes dos africanos (e indígenas) escravizados num passado ainda ao alcance da análise humana") 

E assim Ralf Rickli faz um passeio pelos 31 lugares listados da quarta capa do seu livro, que conta com um apêndice para interessados em aprofundamento, farta bibliografia, índice remissivo e sumário temático e pormenorizado. Além disso, alguns gráficos, como este abaixo:

 

Norte da África e sul da Europa, Oriente Médio e subcontinente indiano.

 

É interessante observar que o livro de Ralf Rickli foi adaptado para uma peça teatral, O dia em que Túlio descobriu a África – Um jovem brasileiro visita as civilizações de seus antepassados, que sob a direção de Egla Monteiro e Miguel Rocha, teve apresentação no Teatro do Sesc Ipiranga (São Paulo) e no TUSP – Teatro Universidade de São Paulo no ano de 2009. 

Enfim, um livro inteligente, para leitores de todas as idades. Para ser lido, guardado e relido.

 

Museu da Pessoa

 

Ralf Rickli tem um depoimento de quase duas horas, gravado para a História, no Museu da Pessoa (São Paulo), neste link:

https://acervo.museudapessoa.org/pt/conteudo/video/ralf-rickli-172684

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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A HERANÇA E A PROCURA, de Chico Lopes, por Francisco Souto Neto.

 

LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

 

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A HERANÇA E A PROCURA, de Chico Lopes


Capa de A HERANÇA E A PROCURA


 Comendador Francisco Souto Neto

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A HERANÇA E A PROCURA,

Chico Lopes

Chico Lopes

 

Chico Lopes (Francisco Carlos Lopes) é uma amizade que se estende por 48 anos. Pode-se até antecipar, dizendo: uma amizade de meio século. Conheci Chico, de Novo Horizonte, SP, como desenhista. Seus desenhos eram feitos com caneta esferográfica. As crianças e os jovens que ele concebia eram figuras impactantes e dramáticas. Embora naquela época eu não tivesse qualquer envolvimento com artes plásticas, achei que o jovem merecia uma grande divulgação. Comprei alguns de seus desenhos e uns anos depois mostrei-os a meu amigo Ennio Marques Ferreira, que na ocasião era o presidente da Fundação Cultural de Curitiba. Ele ficou muito impressionado com o que viu e imediatamente decidiu que gostaria de realizar uma exposição com aqueles desenhos.

Na longa correspondência que então mantivemos, percebi que estava ali, nascente, não apenas um artista plástico de grande importância – que agora conhece o sucesso das pinturas que executa sobre tela – e também um escritor de invulgar talento. De fato, passadas todas estas décadas, Chico Lopes firma-se como um dos grandes escritores deste país. Há alguns anos ele concorreu ao Prêmio Jaboti, o mais importante concurso de letras no Brasil, e foi premiado com o livro de sua autoria Um Estranho no Corredor.

Entretanto, o livro ligado à minha história pessoal é outro, A Herança e a Procura, isto porque Chico Lopes fez-me personagem do mesmo, o que comentarei mais adiante. Por enquanto desejo falar sobre minha visita a Chico Lopes em 1972 e sua consequente exposição realizada entre 31 de agosto e 17 de setembro de 1978 na Fundação Cultural de Curitiba.


Capa de A herança e a procura.

Primeira e segunda orelhas do livro.

Abertura.


Dados técnicos da obra.

Sumário.


Contracapa ou quarta capa.

 

Chico Lopes em 1972 em Novo Horizonte

 

 

Estas são as fotografias que tirei em Novo Horizonte quando da minha visita a Chico Lopes em 1972:


Em Novo Horizonte em 1972, fotografo um ancião que passou por mim num das ruas da cidade.

Duas árvores de Novo Horizonte, uma enrolada na outra, às quais dei o apelido de “Amantes”.

Chico Lopes em 1972.

Familiares de Chico Lopes (à direita): a irmã Elvira e a mãe Dª Elisa Lopes.


Chico Lopes e seu amigo Pedrinho (Pedro Romualdo de Oliveira).


De volta a Curitiba, Francisco Souto Neto em 1972.


 De volta a Curitiba, Francisco Souto Neto em 1972. 

  

A exposição de Chico Lopes em Curitiba no ano de 1978

 

Abaixo, as fotografias do convite para a exposição de Chico Lopes e a repercussão nos jornais de Curitiba e Londrina:

 

O convite para a exposição de Chico Lopes na Fundação Cultural de Curitiba, inaugurada em 31.8.1978.

A apresentação da exposição de Chico Lopes escrita por Francisco Souto Neto e Rubens Faria Gonçalves.

Um dos desenhos expostos.


Um dos desenhos expostos.


Um dos desenhos expostos.


Foto de Chico Lopes no convite-cartaz.

 

Na Rua das Flores (Rua XV de Novembro) o painel com a programação cultural da cidade divulgava a exposição de Chico Lopes.


Através da parede de vidro do café que existia na Rua XV de Novembro, Francisco Souto Neto posa abaixo do anúncio da exposição de Chico Lopes.

 

Abaixo, publicações em jornais de Curitiba e Londrina sobre a exposição de Chico Lopes em 1978.







A transcrição de cada uma dessas publicações acima, poderá ser lida na íntegra nos RECORTES numerados de 19 a 25, no seguinte link:

http://franciscosoutoneto.wordpress.com/2012/01/08/a-vida-de-francisco-souto-neto-na-decada-de-70-atraves-de-antigos-recortes-de-velhos-jornais/

  

O livro A Herança e a Procura

 

  Abaixo, o Capítulo 9, “Em torno da igreja e nos bancos da praça”, no qual Chico Lopes relata a maneira como nos conhecemos em meio à sua juventude de enfant terrible, quando ele era ainda um desenhista, mas já de grande talento, próximo a iniciar-se na pintura e no mundo profissional das artes plásticas.













Abaixo, o Capítulo 10, “Antônio Sabino, 418: desenhos, vozes e agonias”, no qual Chico Lopes, dentre outros acontecimentos, relata a sua exposição na Fundação Cultural de Curitiba, e cita também Rubens Faria Gonçalves.












A atualidade de Chico Lopes.

 

Neste blog eu não analiso o conteúdo dos livros; apenas refiro-me à maneira como cada um das centenas de volumes da minha biblioteca têm histórias paralelas envolvendo a minha vida.

Antes de encerrar, anexo algumas fotos da atualidade de Chico Lopes e sua família.


Chico Lopes e sua esposa Vitória.

Chico Lopes e sua filha Elisa.

“Noite mineira”, linda pintura sobre tela de 2020. Chico Lopes dispõe de dezenas de outras magníficas telas à venda. Os meus amigos que se interessarem, poderão entrar em contato com ele, in box, através do Facebook.

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