LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.
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CADA UM CAI DO BONDE
COMO PODE
Comentário por
Francisco Souto Neto
Hoje, 20 de outubro de 2024, é o dia
em que resolvi escrever sobre o livro acima, da autoria do atual prefeito de
Curitiba que se encontra nos últimos meses de seu mandato, cargo que exerce pela terceira vez. Trata-se do primeiro livro escrito
por Rafael Greca, publicado em 1975, quando ele tinha apenas 19 anos de idade.
Naquele 1975 eu era inspetor do Banco
do Estado do Paraná e estava com 32 anos, prestes a ser convidado para o cargo
de Assessor de Diretor do banco oficial do Paraná, o que se deu no ano
seguinte.
Comprei este exemplar provavelmente
no começo da década de 80, interessado em conhecer a história dos tipos
populares de Curitiba, não só daqueles que vogavam pelas ruas do centro da
capital, como também dos que já haviam falecido há décadas, mas que continuavam
– e continuam ainda – na memória dos curitibanos.
As ilustrações especialmente feitas
para o livro são de Jair Mendes, querido e saudoso meu amigo. O autor
também colheu desenhos de E. Pichote, Columero, Cadiz, Marcelo, Janot e Joca, e
nosso contemporâneo Dante Mendonça.
Abaixo, cópias de algumas das páginas
do livro para ter-se uma ideia de seu conteúdo.
Como conheci Rafael Greca
No ano de 1981 foi inaugurado o Museu
de Arte Sacra de Curitiba, instalado no anexo da Igreja da Ordem Terceira de
São Francisco das Chagas, que é o templo mais antigo da cidade, com entrada
pelo Largo da Ordem. Adentrei-me ao museu e, enquanto admirava o seu acervo,
ouvi uma voz de alguém que discursava em algum lugar do museu. A dicção de quem
falava pareceu-me um tanto artificiosa. Apenas por curiosidade, desviei-me das
salas de exposição e continuei andando em direção ao som daquela voz, até que
dei num auditório ocupado por senhoras sentadas em cadeiras comuns, de costas
para a porta onde eu me encontrava. Um jovem robusto, em pé, falava a elas e o
tema talvez fosse sobre religião. Ele me olhou bem nos olhos e eu, sentindo-me
intruso, retornei ao setor do acervo do museu. Após mais alguns passos, lá
encontrei uma colega do Banestado, cujo nome infelizmente não consigo me
recordar. Tal como eu, ela também estava conhecendo o novo museu.
Após algum tempo caminhando juntos e
conversando, terminamos a visita. Quando íamos saindo, o jovem orador também
deixava o interior do museu, e minha colega falou-me que conhecia o rapaz. Ao
passar por nós, ele a cumprimentou efusivamente, e ela nos apresentou um ao
outro.
Enquanto caminhávamos de volta ao
trabalho minha colega disse-me
que aquele rapaz era autor de um livro pitoresco, denominado “Cada um cai do
Bonde como Pode”. Que coincidência, eu havia comprado esse livro há não
muito tempo, e então a partir dali, inconscientemente vinculei o livro à figura
do seu autor.
Reencontro com Rafael
Tempos depois, quando estava indo a
pé para casa, um carro parou ao meu lado e o motorista
buzinou para me chamar a atenção. Reconheci o Rafael. “Estamos indo na mesma
direção; quer uma carona?”. Aceitei, agradeci e lá fomos.
Rafael me pareceu muito culto; não me
lembro sobre o que teríamos conversado, exceto uma frase dele que achei curiosa
e nunca me esqueci. Disse-me ele exatamente isto: “O seu Português é bem
castiço. Lá em casa nós também só falamos assim”. Achei-o um tanto empertigado,
porém sem dúvida era um jovem muito bem educado e gentil, a ponto de
oferecer-me carona quando nós tão pouco nos conhecíamos. Depois de vários
quarteirões ele viraria o carro para um lado e eu teria que seguir para o outro
lado, já muito perto de minha casa. Agradeci muito pelo bom trecho que não
precisei percorrer a pé... e nada mais soube dele, exceto no ano seguinte,
1983, quando soube que ele foi pela primeira vez eleito vereador por Curitiba.
A cronista social Margarita Sansone que anos mais tarde se casaria com Rafael
Margarita Sansone tinha sua coluna
social, Zoom, na Gazeta do Povo, o jornal mais importante e lido de Curitiba.
Algumas vezes ela, muito gentilmente, referiu-se a mim em Zoom. Foi uma época
em que eu estava em bastante evidência por causa de meu trabalho no Banestado.
Abaixo, duas das ocasiões em que Margarita
fez referências a meu respeito.
Rafael seguiu carreira política vertiginosamente. Foi secretário de Planejamento e Coordenação Geral do Estado do Paraná em 1997 e secretário-chefe da Casa Civil de 1997 a 1998.
Em 1998 foi eleito deputado federal, o mais votado do Paraná. Chegou a ser ministro de Esporte e Turismo no segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso de 1999 a 2000. Vi-o, ao lado de Margarita, sendo entrevistado por Hebe Camargo. E prefeito de Curitiba foi por três vezes, a primeira delas com o apoio de Jaime Lerner com quem rompeu depois.
Ao candidatar-se pela primeira vez à prefeitura de Curitiba, elegeu-se. Teve meu voto. Nas colunas que eu então publicava em jornais e revistas de Curitiba, aplaudi sua chegada ao cargo de alcaide. Na minha coluna Expressão & Arte, de página inteira no Jornal de Domingo de 11 de agosto de 1996, ilustrei meu texto com uma fotografia do meu dedo sobre o prédio da Prefeitura, cuja legenda foi “No toque do moderno Midas, o bom gosto ao invés do ouro”. O título que dei à matéria foi “O dedo do Rafael e a Arte no Urbanismo”. O prefeito telefonou-me, agradecendo pelo meu artigo e pela referência ao "dedo de Midas"...
Quem desejar ler o artigo acima, encontrará sua transcrição no “site” abaixo:
Depois, o desencanto com Rafael
Com a passagem dos anos podemos mudar
de opinião sobre qualquer assunto e nem sempre tudo é como desejaríamos que
fosse. Jaime Lerner, por exemplo, a quem tanto elogiei quando prefeito, passei
a criticar quando tornou-se um governador medíocre e fingidor.
Eu sempre fui um entusiasta em prol
da construção do metrô curitibano. O primeiro prefeito a prometer este novo
sistema de transporte coletivo para Curitiba foi justamente Jaime Lerner.
Aquele prefeito apresentou seu projeto como “um pré-metrô” numa curta linha
norte-sul, que seria subterrânea desde as imediações da Av. Getúlio Vargas,
passando ao lado do prédio dos Correios (vizinho do edifício da Universidade
Federal do Paraná) até ao Passeio Público, donde depois emergiria e prosseguiria
já como um metrô de superfície através da Av. João Gualberto rumo ao norte.
Esse projeto foi capa do carnê do IPTU de Curitiba.
Prefeitos sucederam-se prometendo
construir o nosso metrô, cada um deles com um projeto e linhas diferentes do
anterior... mas todos os que se comprometeram com esse projeto não o cumpriram,
pois não passava de lorota com fins eleitoreiros.
Fartas verbas para o metrô de Curitiba
Em 2011 Dilma Rousseff, na
presidência da República, veio pessoalmente a Curitiba na gestão de Luciano
Ducci como prefeito, trazendo uma vultosa
verba de 1,7 bilhão de reais para o início das obras, como se vê na
reportagem abaixo, até com a ilustração da primeira linha do metrô:
Em outubro de 2013, com Gustavo Fruit na prefeitura, a verba para a construção do metrô mostrava-se insuficiente, e então Dilma Rouseff voltou a Curitiba repassando mais R$4,56 bilhões para que a construção começasse.
Na ocasião foi divulgado até o mapa do metrô, e quais os bairros que seriam alcançados pela primeira linha... exultei ao ler que uma das estações seria no Centro Cívico, onde eu residia quase colado ao Palácio da Justiça, mas nada disso aconteceu.
https://exame.com/economia/dilma-anuncia-investimentos-no-metro-de-curitiba/
Decepção com Greca que afirma: "Metrô é para toupeira"!
Em 2016 assumiu Rafael Greca na
prefeitura e lá permanece até hoje (estamos em outubro de 2024, no final de sua
gestão). O transporte coletivo através de canaletas para ônibus articulados, exemplar quando criado por Jaime Lerner, tornou-se precário. E o que foi
feito da gigantesca verba para o metrô?! Disse o prefeito Rafael Greca que ele
é contra o metrô e que usou a verba para outros fins da mobilidade urbana. Sua
absurda justificativa através do jornal televisivo foi: “Metrô é para toupeira”.
Ao início do segundo mandato de
Rafael como prefeito, o jornalista Haroldo Murá havia me entrevistado com
Rodrigo de Lorenzi para eu figurar no seu livro Vozes do Paraná Volume 9. Ali,
quando perguntado por Lorenzi, declarei o que penso do nosso alcaide:
Pobre Curitiba! Quem já viajou, como
eu, por Américas, Europa, Ásia e África, sabe que o metrô subterrâneo, ou de
superfície (agora o VLT) ou o aéreo, é um tipo de transporte imprescindível às cidades consideradas
evoluídas. Até no Cairo, incrivelmente até mesmo em Jerusalém (cidades onde já
estive) foram implantados VLT com estrondoso sucesso para as pessoas que
dependem de transporte coletivo. O primeiro VLT que vi na minha vida foi em
Strasbourg, na França, quase no fim do século passado, onde tirei uma fotografia evocando “O Grito” de Munch. A
minha foto, abaixo, pode ser traduzida como “Até aqui na pequena Strasbourg? E
Curitiba, SOCORRO, quando nossa capital chegará a esse nível?”.
A fotografia acima já é antiga; tem mais de ¼ de século. Como se vê o "progresso" chega aos países desenvolvidos décadas antes do Brasil.
Estou com 81 anos e agora sei que
jamais verei Curitiba alcançando o patamar de grande metrópole do transporte
sobre trilhos. Talvez nas próximas gerações de prefeitos, talvez somente na segunda
metade do século XXI.
Ao encerrar, não posso deixar de manifestar algo como uma comiseração pelo atual prefeito em final de mandato, cuja esposa, Margarita, infelizmente faleceu há poucos meses.
Apesar dos erros, é inegável o amor de Greca por Curitiba. Aposentando-se, poderá dedicar-se a atividades mais amenas. Seria
muito bem-vindo o volume 2 de “Cada um cai do Bonde como Pode” com as
figuras dos “tipos populares” que surgiram nos últimos 50 anos... pois meio
século já transcorreu desde o seu jovial, despretensioso e
divertido livro, objeto de todas as reflexões que acabo de fazer.
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