terça-feira, 29 de julho de 2025

A CIVILIZAÇÃO DO CAFÉ e as referências a meu tetravô JOÃO DA COSTA GOMES LEITÃO, de ALVES MOTTA SOBRINHO por Francisco Souto Neto

 

A CIVILIZAÇÃO DO CAFÉ e as referências a meu tetravô JOÃO DA COSTA GOMES LEITÃO

 

 

Autor: ALVES MOTTA SOBRINHO

 

 

 

LIVROS COM HISTÓRIAS PARALELAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas anotações dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

 

 

 

 



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Comendador Francisco Souto Neto em 2015.

 

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A CIVILIZAÇÃO DO CAFÉ 

e as referências a meu tetravô JOÃO DA COSTA GOMES LEITÃO,

de ALVES MOTTA SOBRINHO

 

por Francisco Souto Neto 

 

Introdução

 

O autor Alves Motta Sobrinho é a quinta geração (tetraneto) do controverso cafeicultor de Jacareí, SP, João da Costa Gomes Leitão (1805-1879), “que muito trabalhou, muito ganhou e nada gozou”. Eu, Francisco Souto Neto, sou tetraneto (também quinta geração) do famoso cafeicultor. Meu pai Arary Souto (1908-1963) era, portanto, seu trineto; e meu avô Francisco Souto Júnior (1881-1948) seu bisneto. 

O livro “A Civilização do Café” contém diversas referências a esse meu antepassado. Ao contrário de meu trisavô Visconde de Souto, sempre mencionado na História como personalidade boníssima e abolicionista, o “temido velho Leitão de Jacareí” era escravocrata, o que considero uma vergonhosa mancha biográfica.

Apesar dessa mácula, a história desse homem é bastante curiosa. Por exemplo, talvez como demonstração de poder e contra a vontade do Barão de Jacareí, o velho Leitão mudou o curso do Rio Paraíba do Sul para que suas águas passassem a correr na frente de uma de suas fazendas, cujo local é hoje conhecido como Chácara Xavier. Por absurdo que possa parecer, esta realidade está confirmada em diversas fontes do Google. Sua residência, contudo, ficava no centro de Jacareí, ainda existe e é hoje a sede do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba.

O “velho Leitão de Jacareí” foi inspetor de obras, vereador, banqueiro, delegado e juiz. Segundo registros históricos, era conhecido como grande filantropo porque doou, junto com o Primeiro Barão de Jacareí, o dinheiro necessário para a compra do terreno da Santa Casa; construiu o altar da capela do hospital e custeou a estada de pessoas pobres no local. Estes parecem ter sido o lado positivo de sua vida. Entretanto, apesar disso sua grande fortuna foi construída no tráfico negreiro e em empréstimos de dinheiro mediante hipoteca de imóveis. O pior: durante a década de 1860 foi considerado como o maior escravagista da região do Rio Parnaíba, e isto faz esmorecer tudo o que se poderia fazer para enaltecê-lo. 

Eu e minha saudosa prima Lúcia Helena Souto Martini, falecida há dois meses, planejávamos ir a Jacareí (cidade natal de meu pai) para visitarmos as antigas propriedades de nosso tetravô e seu túmulo no Cemitério Municipal Campo da Saudade, e para iniciarmos as pesquisas para nosso projeto que era escrever a biografia do “velho Leitão”. O falecimento súbito de minha prima querida abalou-me profundamente. Entretanto, espero não desistir das pesquisas sobre o nosso referido antepassado e levar adiante, agora sozinho, os nossos antigos planos.

 

O velho Leitão no livro “Civilização do Café”


Capa de A CIVILIZAÇÃO DO CAFÉ, de Alves Motta Sobrinho.

 

Poucos livros referem-se a João da Costa Gomes Leitão. Graças ao site Estante Virtual, encontrei “Civilização do Café” num sebo. Seu proprietário e leitor anterior chamava-se Sylvio Ribeiro, que adquiriu o exemplar em Ribeirão Preto no dia 26 de abril de 1968, portanto, há longos 57 anos.

 

 

Na dedicatória, o autor revela ser da quinta geração (tetraneto) de João da Costa Gomes Leitão, o famoso Leitão de Jacareí, cujo túmulo leva o surpreendente epitáfio: “muito trabalhou, muito ganhou e nada gozou”. Por ser seu descendente, Alves Motta Sobrinho faz diversas referências à família Leitão.

 

Página 3

 

Nas páginas de 20 a 29 o autor menciona feitos de um dos descendentes do velho escravagista e publica a sua única fotografia conhecida, com esta legenda: “O Alferes João da Costa Gomes Leitão, riquíssimo negociante e cafeicultor de Jacareí, sustentáculo da Guerra do Paraguai na região, e um dos maiores acionistas da Estrada de Ferro São Paulo-Rio”.

 

Páginas 26 e 27

 

 

Na página 66 o autor revela que Leduína Maria da Conceição Leitão, sétima filha do “alferes” ou “coronel” Leitão (títulos que eram atribuídos pelo costume, na época, a pessoas importantes) casou-se com o Barão de Castro Lima, de Lorena, e confirma que o “coronel” ajudou a custear a Guerra do Paraguai.

 

Páginas 66 e 67

 

Na fotografia da página 72, Leduína (à direita) e uma familiar transportadas “serra acima”, em balaios de palha, por um burro. O pobre animal vai amordaçado. Este era o sistema usual para as mulheres circularem em suas fazendas, e era também como às vezes viajavam de um povoado a outro próximo. 


Páginas 72 e 73

 

Mais comentários menos importantes nas páginas abaixo:

 

 

Minha tia Jurema de Barros Souto, irmã de meu pai, uma das melhores memorialistas de sua geração, contava a seus sobrinhos que os sobrenomes Souto, Malta, Salles Oliveira, Silveira Peixoto, Alves Souto e Alves Guimarães eram interligados, isto é, tinham a mesma origem familiar. É justamente o que o autor do livro revela na página 85 abaixo:

 

 

Sem estender-me em mais comentários, eis mais algumas páginas referindo-se ao “velho Leitão de Jacareí”.

 

Páginas 88 e 89


Páginas 94 e 95


Páginas 118 e 119

 
Páginas 122 e 123

 

O Palacete João da Costa Gomes Leitão, depois Grupo Escolar e agora Museu de Antropologia do Vale do Paraíba, em Jacareí (foto da internet)

 

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A escritora Ludmila Saharovsky, seu livro “Jacareí: Tempo & Memória” e o velho Leitão de Jacareí

  

Na orelha de seu livro “Jacareí: Tempo & Memória”, a autora Ludmila Saharovsky.

 

Meu pai Arary Souto e mais quatro de seus irmãos nasceram em Jacareí, pois naquela época meu avô Francisco Souto Júnior ali residia porque ele estava ajudando a administrar algumas fazendas dos filhos e netos herdeiros do seu bisavô, o velho João da Costa Gomes Leitão.

No começo da década de 10 deste corrente século XXI, quando fiz as primeiras pesquisas na internet sobre meu tetravô Leitão, soube do lançamento do livro “Jacareí: Tempo & Memória”, da autoria de Ludmila Saharovsky.

 

O livro “Jacareí: Tempo & Memória”.

 

Entrei em contato com a referida escritora interessado em conhecer mais sobre meu tetravô e um pouco sobre a cidade natal de meu pai, e também para saber se essa autora conhecia ou teria contato com alguns descendentes do “velho Leitão de Jacareí”. Para minha surpresa, Ludmila Saharovsky enviou-me um exemplar de seu interessante e precioso livro e disse-me que na sua cidade já não residia mais nenhum descendente daquele vulto histórico.

 

 

Quando entrei em contato com minha saudosa prima Lúcia Helena Souto Martini e contei-lhe sobre o livro de Ludmila Saharovsky, minha parente exclamou muito surpresa: “A Ludmila Saharovsky? Conheço-a; é maravilhosa! Estive com ela!”.

Como tal contato ocorreu há bem mais de 10 anos, não me recordo em que circunstância Lúcia Helena a conheceu; talvez fosse no próprio lançamento do livro ou, quem sabe, no tempo em que... 

...em que ela trabalhou na TV Globo, em Brasília, como responsável pela cobertura jornalística da área cultural (vide foto acima, da orelha da obra "Visconde de Souto - Ascensão e 'Quebra' no Rio de Janeiro Imperial):

As cinco fotografias abaixo são de trechos do livro de Ludmila que em breve comentarei isoladamente neste mesmo blog.

Referências de Ludmila Saharovsky ao “velho Leitão de Jacareí”:

 

Na página 58, sobre a transposição do Rio Paraíba que o velho Leitão fez para que este corresse em frente a uma de suas fazendas, depois conhecida como Chácara Xavier.
 

Nas páginas 121 e 122, a história dos barulhos noturnos que ocorrem na casa sede da chácara  do velho João da Costa Gomes Leitão – onde localizava-se a sua senzala – depois denominada Chácara Xavier: gemidos, ruídos de correntes sendo arrastadas, luzes que se apagavam subitamente...

 
A narrativa termina na página 122, ilustrada com uma fotografia antiga do palacete do meu tetravô, que em 1895 foi comprado e transformado em Grupo Escolar e hoje é o Museu de Antropologia do Vale do Paraíba, em Jacareí.


Na página 359, uma história do imaginário popular, até quase folclórico: conta que o velho Leitão era tão mau que encarcerou sua filha porque ela estava namorando um jovem pobre; e depois da morte da garota, ele emparedou seu corpo numa das alas do palacete. Assim começa a narrativa: "Que o Coronel Leitão era um homem danado de ruim, todos nós já sabemos!"

  

A tentativa de suicídio e a morte do velho Leitão.

 

João da Costa Gomes Leitão infelizmente teve um fim muito triste. Ele sofreu um derrame cerebral – um AVC – e após quatro meses transcorridos, tentou o suicídio com um tiro na cabeça. A bala não penetrou no crânio, mas sua saúde agravou-se e ele  veio a falecer somente dois anos depois.

 

Notícia no jornal sobre a tentativa de suicídio do velho Leitão de Jacareí (foto da internet).


Vide, acima, a notícia da tentativa de suicídio que foi publicada no jornal de Jacareí. Vou em seguida atualizar a ortografia da publicação, para que o meu leitor compreenda mais facilmente o que diz o texto do jornal:

 

 “TENTATIVA DE SUICÍDIO – Refere-se o Diário: ‘Em Jacareí tentou suicidar-se, no dia 25 do corrente, o importante fazendeiro e capitalista João da Costa Gomes Leitão, disparando um tiro de revólver na região geniana, cuja bala não tendo penetrado, ao que parece, até o crânio, e nem talvez ofendido órgão importante, não causou a morte instantânea, sendo infelizmente provável que venha afinal a sucumbir, não obstante os socorros da medicina aplicados pelos doutores Luiz P. Barreto e Nyvi. Atribui-se este fato lamentável a um extravio da razão, consequência de uma paralisia que o acometeu há quatro meses’.”


O túmulo de João da Costa Gomes Leitão no Cemitério Municipal Campo da Saudade de Jacareí (foto da internet).

 

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O autor deste artigo, Francisco Souto Neto (tetraneto de João da Costa Gomes Leitão) em 2025, aos 81 anos.

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sexta-feira, 11 de julho de 2025

O CHOQUE DA NEVE livro de BELMIRO SANTOS. Artigo de Francisco Souto Neto.

 

O CHOQUE DA NEVE:

SOBRE VIVER DE ARTE EM CURITIBA

 

Autor: BELMIRO SANTOS

 

LIVROS COM HISTÓRIAS PARALELAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas anotações dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca. 

 

 
Capa de O CHOQUE DA NEVE: SOBRE VIVER DE ARTE EM CURITIBA, de Belmiro Santos. Arte da capa: Roberto Costa Guiraud. Na foto acima, o artista plástico e escritor Belmiro Santos com seu livro.



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Comendador Francisco Souto Neto em 2015.

  

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O LIVRO “O CHOQUE DA NEVE:

SOBRE VIVER DE ARTE EM CURITIBA”,

de BELMIRO SANTOS

por Francisco Souto Neto

 

Introdução: no começo, a pintura de Belmiro Santos

 

Para chegarmos ao autor do livro, Belmiro Santos, devo antes fazer um rápido retrospecto de minha atuação na vida cultural de Curitiba e do Paraná e de como, preliminarmente, conheci o artista plástico em apreço.

Fui bancário durante 30 anos. Ingressei no Banco do Estado do Paraná, o Banestado, através de concurso público e trabalhei na agência de Ponta Grossa durante 10 anos. Depois, através de concurso interno, conquistei o cargo de inspetor da instituição. Um diretor que gostava dos meus relatórios de inspeção convidou-me a ser seu assessor, ao tempo do Governo Jayme Canet. Sucederam-se vários governos e fui sendo mantido no cargo pelos diretores que se seguiram através de vários governos estaduais. Antes de encerrar minha carreira, fui também assessor de um vice-presidente, de dois presidentes (Edisson Elery Faust, da Banestado Crédito Imobiliário e de Carlos Antônio de Almeida Ferreira, do Conglomerado Financeiro Banestado). Ao aposentar-me em 1991 eu era, simultaneamente, assessor para assuntos de cultura do Banestado.

Consegui instituir o que chamei de “Programa de Cultura do Banestado”, um empreendimento que teve início com um concurso anual de artes plásticas, denominado SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos (que criei auxiliado por meu colega Tadeu Petrin). Nos anos que se seguiram, ampliei minha atuação: daquele apoio inicial às artes plásticas, expandi o meu trabalho a um vasto universo que abrangeu as letras (literatura e poesia), música, teatro, cinema e até... arqueologia, quando ao mesmo tempo fiz parte da diretoria do Instituto Saint-Hilaire da Defesa dos Sítios Históricos.

Como disse, dirigi o Salão Banestado até à minha aposentadoria. Para o julgamento dos artistas que participavam desse certame, a cada novo ano eu chamava três respeitados e conhecidos artistas plásticos que julgavam com total liberdade as obras concorrentes. Embora sempre presente aos trabalhos do julgamento, eu deixava claro aos jurados que eles eram soberanos em seu trabalho. Orgulho-me de ter me mantido calado durante todos os trabalhos de julgamento, sem jamais demonstrar minha preferência por um ou outro dos artistas participantes. Por isso, estranhei quando meu velho amigo Ennio Marques Ferreira – na ocasião em que o convidei para integrar a comissão julgadora de um dos Salões – perguntou-me se a diretoria do Banestado teria alguma recomendação a respeito da escolha dos participantes e da premiação. Respondi-lhe: "É claro que não! Os três componentes da comissão julgadora têm total liberdade para eliminar as obras que considerarem fracas e classificar e premiar aquelas que julgarem as melhores”. E esclareci a ele, o Ennio, e a todos os componentes das comissões julgadoras que se sucederam por muitos e muitos anos, o seguinte: “Estarei presente durante todo o seu trabalho de julgamento, mas não direi nem uma única palavra sobre o que penso das obras e dos artistas concorrentes, para não influenciá-los em absolutamente nada”. Por essa minha imparcialidade e por outros tantos méritos do próprio concurso, o SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos foi um total sucesso durante anos seguidos e respeitado por sua seriedade. Nos anos em que o Salão dos Novos da Secretaria de Estado da Cultura entrou em recesso, o “meu” Salão Banestado ocupou o seu lugar com naturalidade e sem restrições.

Após aposentar-me em 1991, o Salão Banestado continuou sendo realizado todos os anos, porém sem minha presença, e durou até que o Banco do Estado do Paraná foi extinto no ano 2000.


Quando Belmiro Santos, na qualidade de artista plástico iniciante, entra na minha história

Em 1994, três anos após aposentar-me, o jornalista Alcy Ramalho Filho convidou-me para fazer parte da comissão que julgaria o certame Curitiba Arte 10, ao lado de Eduardo da Rocha Virmond, Christine Baptista, Nelly Almeida e Carlos Eduardo Zimmermann.

 

Em sua coluna da Gazeta do Povo, Alcy Ramalho Filho informa que Francisco Souto Neto participará da comissão julgadora do Curitiba Arte 10.


Na coluna Expressão & Arte, Francisco Souto Neto descreve o julgamento do Curitiba Arte 10.


A publicação com os nomes dos artistas classificados: Belmiro Santos está no grifo de cor azul.


O caderno Cultura G, da Gazeta do Povo de 30.5.1994 fez um comentário extenso sobre o Curitiba Arte 10, mencionou os nomes dos membros da comissão julgadora, mas a meu ver cometeu o pecado de não mencionar os nomes dos artistas classificados.

 

É interessante observar que o primeiro Curitiba Arte 10 foi realizado há exatos 31 anos. A pintura de Belmiro Santos foi por nós aprovada para figurar na exposição. Esse artista era-me totalmente desconhecido, assim como os demais participantes. É lógico que, sem conhecê-lo, a pintura de Belmiro foi aprovada pelo seu próprio mérito e isto é uma prova de que o talento do pintor, embora ainda muito jovem, começava a ser reconhecido.

 

Belmiro Santos no Salão Banestado de Artistas Inéditos

 

Dois anos depois, em 1996 (cinco anos após minha aposentadoria), em minha coluna Expressão & Arte, informei que o Salão Banestado, agora em sua 12ª edição, voltava em grande estilo. Estava Taís Horbatiuk no comando do concurso, que me surpreendeu e sensibilizou com o convite para eu participar como membro da comissão julgadora do XII SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos. Eu, que criei o Salão tantos anos antes, agora pela primeira vez iria julgar e premiar os melhores daquele mesmo concurso por mim idealizado.  Fomos três os julgadores: eu, Ronald Simon e Simone Ribeiro, que após dois dias de julgamento, com unanimidade conferimos a Belmiro Santos o 1º prêmio do Salão.


A comissão julgadora do XII SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos: Francisco Souto Neto, Simone Ribeiro e Ronald Simon.

A comissão julgadora analisando as obras para selecionar e premiar os melhores. Na foto: Francisco Souto Neto, Ronald Simon e Simone Ribeiro.

A pintura de Belmiro Santos que recebeu o 1º prêmio do Salão Banestado de 1997.

Solenidade na Galeria de Arte Banestado para a entrega dos prêmios aos vencedores do XII Salão Banestado de Artistas Inéditos. Na fotografia: Simone Ribeiro, Francisco Souto Neto, Fernando Vellozo (representando o Secretário de Estado da Cultura), Paulo Roberto Rocha Krüger (representando o presidente do Banco do Estado do Paraná S.A.), Nelly Almeida, Lélia Brown.

A mesma fotografia publicada em jornal.

 

A primeira exposição individual de Belmiro Santos

 

No ano seguinte, 1997, Belmiro Santos foi convidado para realizar a sua primeira exposição individual no Sesc da Esquina. Naquela ocasião esse artista plástico a quem agora eu conhecia, pediu-me para fazer um texto de apresentação de sua mostra.


A apresentação da primeira exposição de Belmiro Santos teve o texto de apresentação assinado por Francisco Souto Neto.

A primeira exposição individual de Belmiro Santos foi elogiada por Adalice Araújo em sua coluna da Gazeta do Povo.

Um exemplo da pintura de Belmiro Santos nos últimos anos do Século XX.

Durante toda a vida sempre atendi aos pedidos de artistas para escrever sobre suas obras de arte. O artista perguntava-me qual seria o preço pelo meu trabalho, e minha resposta foi sempre: “absolutamente nada”. Desde a primeira vez que fiz um texto de apresentação de algum artista plástico (o primeiro foi Chico Lopes e o segundo Edson Busch Machado) tomei o exemplo da crítica de arte Adalice Araújo: o de jamais, em nenhuma circunstância, aceitar pagamento. Creio que este foi também um dos fatos que tornaram minhas colunas respeitadas e admiradas. E assim, como de costume, tive o prazer de apresentar a primeira individual de Belmiro. O que naquele ano de 1997 escrevi sobre ele e sua arte, foi acertado. Disse eu: “Um passeio pela exposição dá-nos a certeza de que Belmiro Santos é um artista ascendente, que vem galgando patamares com a segurança e o talento dos grandes”.

 

Pinturas recentes

 

Abaixo, algumas pinturas recentes de Belmiro Santos dá-nos a exata dimensão do quanto evoluiu sua arte ao longo desta primeira quarta parte do Século XXI, tornando-o um artífice da exuberância e da magia das cores.

 

Delicadeza nos detalhes da pintura.

Exuberância nas pinceladas e nas cores.

Ousadia nos traços e cores.

O Largo da Ordem no centro histórico de Curitiba, por Belmiro Santos.

 

Em 2025 Belmiro Santos inicia-se nas letras, escrevendo a autobiografia “O Choque da Neve”


Antes de referir-me ao livro de Belmiro Santos, acho oportuno comentar algo que considero muito importante em literatura e poesia: a originalidade e a criatividade. Os artistas e escritores que rompem com o “status quo” em princípio costumam encontrar obstáculos e às vezes até mesmo a agressão dos conservadores. Basta lembrar da Semana de Arte Moderna de 1922, um evento de cultura realizado em São Paulo, que foi o início do modernismo no Brasil, reunindo música, literatura, poesia, pintura, escultura, rompendo com os padrões tradicionais e exibindo a criatividade muito além dos rígidos padrões da época. Villa-Lobos, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti e tantos outros foram criticados e às vezes até execrados pela maioria das pessoas que compareceram à exposição.

 

Beckett

 

Na literatura internacional alguns grandes escritores, dramaturgos, poetas, atreveram-se a escrever com desprezo às normas que regem a perfeição, também sofreram com o desprezo e a cólera dos conservadores. Vou dar um exemplo muito interessante, que é o de Samuel Beckett, um dramaturgo, romancista, poeta e crítico, considerado um dos escritores mais influentes do século XX. Eu já conhecia o dramaturgo, autor de “Esperando Godot”, peça a que assisti no teatro. Seu primeiro romance que comprei foi “Como É”. Um detalhe: Beckett recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1969, com isso dando-lhe o reconhecimento de ser o mais importante autor do mundo naquele ano. No entanto, desde o tempo de “Esperando Godot”, Beckett já era um dos mais importantes nomes do teatro do absurdo

Em "Como é”, o texto – isto é, o livro inteiro – não possui pontuação. Entre frases ou períodos diferentes, um espaço duplo simboliza nova frase, ou parágrafo, onde as letras maiúsculas não existem.

Sobre o que versa “Como é”? O personagem vive na lama e na escuridão e não sabe o que faz lá, nem como ali chegou. Aparece uma criatura a quem ele denomina Pim e a ela se associa formando um casal. Ele se autodenomina Bom e carrega seus únicos pertences: um saco cheio de latas e um abridor de latas.

Para ter-se uma ideia, eis algumas páginas do livro, aqui escolhidas aleatoriamente.

 

“Como É” páginas 48 e 49.

“Como É” páginas 96 e 97.

 

Mais um exemplo extremamente provocativo de Beckett, ao qual talvez o leitor nem sempre consiga suportar, está no romance “Watt”. Sugiro – ou desafio – a quem esteja me acompanhando nestes comentários, que leia abaixo o que encontrará nas páginas 238 e 239 e escandalize-se. Ou divirta-se, como ocorre comigo. Em suma, ali o personagem Watt conta que a cada dia o Sr. Knott mudava sua aparência física e explica como:

 

“Watt”, páginas 238 e 239.

 


Saramago


Outro gênio literário é o português José Saramago, igualmente ganhador do Nobel de Literatura, este de 1998. Ele também recebeu, em 1995, o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da língua portuguesa. Entretanto, no seu livro O Homem Duplicado, não existem travessões nos diálogos e ele usa uma pontuação não convencional. Em certos momentos, o leitor pode até não entender se o diálogo é verdadeiro ou nada mais do que um pensamento do autor. E um detalhe importante: via de regra (melhor seria dizer “sem regra alguma”) Saramago constrói seus textos de uma forma visualmente compacta, isto é, capítulos inteiros são escritos sem a utilização de parágrafos. É como se os textos formassem blocos compactos. Abaixo, um exemplo disso: abri aleatoriamente o livro O Homem Duplicado nas páginas 222 e 223:

 

Páginas 222 e 223 de “O Homem Duplicado”: páginas e páginas sem um único parágrafo.


Se escritores tão consagrados e elogiados podem inovar e desprezar a forma considerada correta de escrever, por quê não também os iniciantes?

 

“O Choque da Neve”, o livro de Belmiro Santos

 

“O Choque da Neve”: a capa.

 

A leitura de “O Choque da Neve” começa causando algo como um embaralhamento na apresentação das frases porque já nas primeiras páginas percebe-se que o texto tem uma forma que nos reporta a uma composição poética. Contudo, não se trata exatamente de poesia, mas de um romance autobiográfico criado num modo diferente de escrever, onde os parágrafos são curtos e dispostos em linhas separadas e sucessivas... parecidos com versos.

Assim, é quase “poetando” que Belmiro nos expõe o início do seu talento nato que o direcionou ao desenho e à pintura. Seu primeiro trabalho foi para o proprietário do cinema de sua cidade do interior do Paraná, pintando cartazes dos filmes anunciados ou em exibição, atividade que era comum ao tempo dos chamados “cinemas de rua”. Aqui Belmiro já exibia a excelência do traço, porém não gostava de simplesmente “copiar”: ele sentia necessidade de manifestar criatividade.

Entre os capítulos do livro, o autor introduziu um pequeno texto em forma de claquete – referência ao cinema que foi importante para o desenvolvimento de sua arte – simulando até o sonoro “zapt” que dá início à próxima cena, como se vê abaixo:

 

A dedicatória de Belmiro Santos para Francisco Souto Neto.

“O Choque da Neve” páginas 36 e 37.

“O Choque da Neve” páginas 38 e 39.

“O Choque da Neve” páginas 50 e 51. 

Contracapa (ou quarta capa)


“O Choque da Neve” revela a infância e adolescência difíceis do autor, em sua família carente, de baixa renda. Depois sucede-se a vinda para Curitiba no rigor do inverno, a luta do trabalho pela sobrevivência e o surgimento de uma amizade que se tornaria perigosa. 

A jornada da vida é dura e sofrida para o autor. Viver na casa de parentes e enfrentar o desestímulo, e depois a necessidade de compartilhar o mesmo quarto da pensão com pessoas desconhecidas, tudo isso consistiu em doloroso trajeto. O simples existir foi, da parte de Belmiro, um corajoso ato de resistência.

Vários capítulos do livro são ilustrados com desenhos do autor, e alguns são autorretratos. Assim, associam-se a literatura e o desenho num mesmo trabalho.

 

Belmiro na arte e na literatura.

Belmiro na arte e na literatura.

 

Apesar de todos os obstáculos, Belmiro Santos conseguiu tornar realidade o seu sonho de graduar-se em Curso Superior pela respeitada e prestigiada Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Mais tarde concluiu pós-graduação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a PUC PR, em Comunicação Audiovisual.

Há décadas, em minhas colunas, quando escrevi que Belmiro Santos era um dos artistas plásticos mais promissores do Paraná, eu não exagerava. Vejo que, com muita justiça, ele é hoje admirado e celebrado nos meios artísticos. É um exemplo que me faz orgulhoso de ter sido o “meu” SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos o veículo que ajudou a guindar o talento de Belmiro Santos ao pendão dos vencedores e de ter estimulado jovens talentosos na busca pelos caminhos do sucesso, da pintura à literatura, à poesia, à música e ao teatro.

 

Belmiro Santos na jornada vitoriosa da vida.

 

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O autor deste artigo, Francisco Souto Neto em 2025, aos 81 anos.

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