segunda-feira, 21 de outubro de 2024

CADA UM CAI DO BONDE COMO PODE, de Rafael Valdomiro Greca de Macedo (RAFAEL GRECA), por Francisco Souto Neto.

 

LIVROS COM HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NOS LIVROS – Um livro pode conter muito mais do que aquilo que vem escrito no seu conteúdo. O exemplar pode ter histórias pessoais do seu dono, ou conter dedicatórias raras, ou ter sido emprestado e ter ali registradas impressões manuscritas dos leitores, por ter sido impresso há cem ou duzentos anos... e assim por diante. Este blog pretende, pois, contar algumas dessas histórias paralelas a determinados exemplares da minha biblioteca.

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Capa de CADA UM CAI DO BONDE COMO PODE de RAFAEL VALDOMIRO GRECA DE MACEDO.

 

Rafael Valdomiro Greca de Macedo, o autor. 


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Comendador Francisco Souto Neto (foto de 2015)

 

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CADA UM CAI DO BONDE COMO PODE

 

Comentário por Francisco Souto Neto

  

Hoje, 20 de outubro de 2024, é o dia em que resolvi escrever sobre o livro acima, da autoria do atual prefeito de Curitiba que se encontra nos últimos meses de seu mandato, cargo que exerce pela terceira vez. Trata-se do primeiro livro escrito por Rafael Greca, publicado em 1975, quando ele tinha apenas 19 anos de idade.

Naquele 1975 eu era inspetor do Banco do Estado do Paraná e estava com 32 anos, prestes a ser convidado para o cargo de Assessor de Diretor do banco oficial do Paraná, o que se deu no ano seguinte.

Comprei este exemplar provavelmente no começo da década de 80, interessado em conhecer a história dos tipos populares de Curitiba, não só daqueles que vogavam pelas ruas do centro da capital, como também dos que já haviam falecido há décadas, mas que continuavam – e continuam ainda – na memória dos curitibanos.

As ilustrações especialmente feitas para o livro são de Jair Mendes, querido e saudoso meu amigo. O autor também colheu desenhos de E. Pichote, Columero, Cadiz, Marcelo, Janot e Joca, e nosso contemporâneo Dante Mendonça.

Abaixo, cópias de algumas das páginas do livro para ter-se uma ideia de seu conteúdo.

Capa de livro de 1975.


Páginas 12 e 13.


Páginas 18 e 19.


Páginas 20 e 21.

Como conheci Rafael Greca


No ano de 1981 foi inaugurado o Museu de Arte Sacra de Curitiba, instalado no anexo da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas, que é o templo mais antigo da cidade, com entrada pelo Largo da Ordem. Adentrei-me ao museu e, enquanto admirava o seu acervo, ouvi uma voz de alguém que discursava em algum lugar do museu. A dicção de quem falava pareceu-me um tanto artificiosa. Apenas por curiosidade, desviei-me das salas de exposição e continuei andando em direção ao som daquela voz, até que dei num auditório ocupado por senhoras sentadas em cadeiras comuns, de costas para a porta onde eu me encontrava. Um jovem robusto, em pé, falava a elas e o tema talvez fosse sobre religião. Ele me olhou bem nos olhos e eu, sentindo-me intruso, retornei ao setor do acervo do museu. Após mais alguns passos, lá encontrei uma colega do Banestado, cujo nome infelizmente não consigo me recordar. Tal como eu, ela também estava conhecendo o novo museu.

Após algum tempo caminhando juntos e conversando, terminamos a visita. Quando íamos saindo, o jovem orador também deixava o interior do museu, e minha colega falou-me que conhecia o rapaz. Ao passar por nós, ele a cumprimentou efusivamente, e ela nos apresentou um ao outro.

Enquanto caminhávamos de volta ao trabalho minha colega disse-me que aquele rapaz era autor de um livro pitoresco, denominado “Cada um cai do Bonde como Pode”. Que coincidência, eu havia comprado esse livro há não muito tempo, e então a partir dali, inconscientemente vinculei o livro à figura do seu autor.


Reencontro com Rafael


Tempos depois, quando estava indo a pé para casa, um carro parou ao meu lado e o motorista buzinou para me chamar a atenção. Reconheci o Rafael. “Estamos indo na mesma direção; quer uma carona?”. Aceitei, agradeci e lá fomos.

Rafael me pareceu muito culto; não me lembro sobre o que teríamos conversado, exceto uma frase dele que achei curiosa e nunca me esqueci. Disse-me ele exatamente isto: “O seu Português é bem castiço. Lá em casa nós também só falamos assim”. Achei-o um tanto empertigado, porém sem dúvida era um jovem muito bem educado e gentil, a ponto de oferecer-me carona quando nós tão pouco nos conhecíamos. Depois de vários quarteirões ele viraria o carro para um lado e eu teria que seguir para o outro lado, já muito perto de minha casa. Agradeci muito pelo bom trecho que não precisei percorrer a pé... e nada mais soube dele, exceto no ano seguinte, 1983, quando soube que ele foi pela primeira vez eleito vereador por Curitiba.


A cronista social Margarita Sansone que anos mais tarde se casaria com Rafael


Margarita Sansone tinha sua coluna social, Zoom, na Gazeta do Povo, o jornal mais importante e lido de Curitiba. Algumas vezes ela, muito gentilmente, referiu-se a mim em Zoom. Foi uma época em que eu estava em bastante evidência por causa de meu trabalho no Banestado. Abaixo, duas das ocasiões em que  Margarita fez referências a meu respeito.

A cronista social Margarita Pericás Sansone.


Em 1982, ao ser inaugurada por Jaime Lerner a rua em homenagem à memória de meu pai Arary Souto, a cronista social Margarita Sansone gentilmente divulgou o acontecimento em sua coluna da Gazeta do Povo. Na foto: Francisco Souto Neto, Ivone Souto da Rosa, Everaldo Silva, Edith Barbosa Souto, Jaime Lerner e um vereador.


Em 1983, quando Wilson Barbosa Martins, o primo de minha mãe, foi eleito governador de Mato Grosso do Sul, eu e minha genitora viajamos a Campo Grande para assistirmos à cerimônia de posse, o que foi divulgado por Margarita Sansone em sua coluna social.


Três vezes prefeito e meus elogios no princípio

Rafael seguiu carreira política vertiginosamente. Foi secretário de Planejamento e Coordenação Geral do Estado do Paraná em 1997 e secretário-chefe da Casa Civil de 1997 a 1998.

Rafael Greca quando deputado federal.

Em 1998 foi eleito deputado federal, o mais votado do Paraná. Chegou a ser ministro de Esporte e Turismo no segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso de 1999 a 2000. Vi-o, ao lado de Margarita, sendo entrevistado por Hebe Camargo. E prefeito de Curitiba foi por três vezes, a primeira delas com o apoio de Jaime Lerner com quem rompeu depois.

Ao candidatar-se pela primeira vez à prefeitura de Curitiba, elegeu-se. Teve meu voto. Nas colunas que eu então publicava em jornais e revistas de Curitiba, aplaudi sua chegada ao cargo de alcaide. Na minha coluna Expressão & Arte, de página inteira no Jornal de Domingo de 11 de agosto de 1996, ilustrei meu texto com uma fotografia do meu dedo sobre o prédio da Prefeitura, cuja legenda foi “No toque do moderno Midas, o bom gosto ao invés do ouro”. O título que dei à matéria foi “O dedo do Rafael e a Arte no Urbanismo”. O prefeito telefonou-me, agradecendo pelo meu artigo e pela referência ao "dedo de Midas"...


"O DEDO DO RAFAEL E A ARTE NO URBANISMO", Expressão & Arte, de Francisco Souto Neto, coluna em página inteira no Jornal de Domingo de 17.8.1996.


Quem desejar ler o artigo acima, encontrará sua transcrição no “site” abaixo:

 https://fsoutoneto.wordpress.com/2013/05/01/expressao-arte-por-francisco-souto-neto-curitiba-11-a-17-ago-1996/


Depois, o desencanto com Rafael


Com a passagem dos anos podemos mudar de opinião sobre qualquer assunto e nem sempre tudo é como desejaríamos que fosse. Jaime Lerner, por exemplo, a quem tanto elogiei quando prefeito, passei a criticar quando tornou-se um governador medíocre e fingidor.

Eu sempre fui um entusiasta em prol da construção do metrô curitibano. O primeiro prefeito a prometer este novo sistema de transporte coletivo para Curitiba foi justamente Jaime Lerner. Aquele prefeito apresentou seu projeto como “um pré-metrô” numa curta linha norte-sul, que seria subterrânea desde as imediações da Av. Getúlio Vargas, passando ao lado do prédio dos Correios (vizinho do edifício da Universidade Federal do Paraná) até ao Passeio Público, donde depois emergiria e prosseguiria já como um metrô de superfície através da Av. João Gualberto rumo ao norte. Esse projeto foi capa do carnê do IPTU de Curitiba.

Prefeitos sucederam-se prometendo construir o nosso metrô, cada um deles com um projeto e linhas diferentes do anterior... mas todos os que se comprometeram com esse projeto não o cumpriram, pois não passava de lorota com fins eleitoreiros.


Fartas verbas para o metrô de Curitiba


Em 2011 Dilma Rousseff, na presidência da República, veio pessoalmente a Curitiba na gestão de Luciano Ducci como prefeito, trazendo uma vultosa  verba de 1,7 bilhão de reais para o início das obras, como se vê na reportagem abaixo, até com a ilustração da primeira linha do metrô:


https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2011/10/dilma-oficializa-repasse-de-verba-para-primeira-fase-do-metro-de-curitiba.html


Em outubro de 2013, com Gustavo Fruit na prefeitura, a verba para a construção do metrô mostrava-se insuficiente, e então Dilma Rouseff voltou a Curitiba repassando mais R$4,56 bilhões para que a construção começasse. 

Na ocasião foi divulgado até o mapa do metrô, e quais os bairros que seriam alcançados pela primeira linha...  exultei ao ler que uma das estações seria no Centro Cívico, onde eu residia quase colado ao Palácio da Justiça, mas nada disso aconteceu.


https://exame.com/economia/dilma-anuncia-investimentos-no-metro-de-curitiba/



Decepção com Greca que afirma: "Metrô é para toupeira"!


Em 2016 assumiu Rafael Greca na prefeitura e lá permanece até hoje (estamos em outubro de 2024, no final de sua gestão). O transporte coletivo através de canaletas para ônibus articulados, exemplar quando criado por Jaime Lerner, tornou-se precário. E o que foi feito da gigantesca verba para o metrô?! Disse o prefeito Rafael Greca que ele é contra o metrô e que usou a verba para outros fins da mobilidade urbana. Sua absurda justificativa através do jornal televisivo  foi: “Metrô é para toupeira”.

Ao início do segundo mandato de Rafael como prefeito, o jornalista Haroldo Murá havia me entrevistado com Rodrigo de Lorenzi para eu figurar no seu livro Vozes do Paraná Volume 9. Ali, quando perguntado por Lorenzi, declarei o que penso do nosso alcaide:



Capa de Vozes do Paraná Volume 9 com os nomes dos convidados pelo autor.

Páginas 158 e 159.

Detalhe ao final da página 159, a pergunta a mim formulada foi: “Você foi um grande incentivador da cultura e um grande curador. Como enxerga a cultura no Paraná hoje e toda a polêmica com leis de incentivo, o cancelamento da Oficina de Música, entre outras coisas?”. É que Rafael Greca, ao assumir a Prefeitura, cancelou um dos eventos mais tradicionais de Curitiba, de importância nacional. Minha resposta vai no final da página 159: “...o que esperar de quem diz que metrô é para toupeira?”. 

Pobre Curitiba! Quem já viajou, como eu, por Américas, Europa, Ásia e África, sabe que o metrô subterrâneo, ou de superfície (agora o VLT) ou o aéreo, é um tipo de transporte imprescindível às cidades consideradas evoluídas. Até no Cairo, incrivelmente até mesmo em Jerusalém (cidades onde já estive) foram implantados VLT com estrondoso sucesso para as pessoas que dependem de transporte coletivo. O primeiro VLT que vi na minha vida foi em Strasbourg, na França, quase no fim do século passado, onde tirei uma fotografia evocando “O Grito” de Munch. A minha foto, abaixo, pode ser traduzida como “Até aqui na pequena Strasbourg? E Curitiba, SOCORRO, quando nossa capital chegará a esse nível?”.


Francisco Souto Neto em Strasbourg (França) parodiando “O Grito” de Munch e fingindo “choque cultural”: quando Curitiba chegará a este nível em transporte público coletivo? 

A fotografia acima já é antiga; tem mais de ¼ de século. Como se vê o "progresso" chega aos países desenvolvidos décadas antes do Brasil. 

Estou com 81 anos e agora sei que jamais verei Curitiba alcançando o patamar de grande metrópole do transporte sobre trilhos. Talvez nas próximas gerações de prefeitos, talvez somente na segunda metade do século XXI.


O prefeito Rafael Greca em fim de mandato em 2024. 

Ao encerrar, não posso deixar de manifestar algo como uma comiseração pelo atual prefeito em final de mandato, cuja esposa, Margarita, infelizmente faleceu há poucos meses. 

Apesar dos erros, é inegável o amor de Greca por Curitiba. Aposentando-se, poderá dedicar-se a atividades mais amenas. Seria muito bem-vindo o volume 2 de “Cada um cai do Bonde como Pode” com as figuras dos “tipos populares” que surgiram nos últimos 50 anos... pois meio século já transcorreu desde o seu jovial, despretensioso e divertido livro, objeto de todas as reflexões que acabo de fazer.


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O autor Francisco Souto Neto em 2024, aos 81 anos, 5 meses após três fraturas no ombro esquerdo e agora com "dedo em gatilho" no anelar.

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